Três perguntas para - Alexandre Gehlen_interna2Gehlen: pandemia deixará hotéis pelo caminho, mas ensinará bastante 

Na família Gehlen, hotelaria vem de berço. Aos nove anos, o pequeno Alexandre já ajudava os avós numa pequena pousada em Gramado (RS). Os anos passaram e o pequeno meio de hospedagem se transformou em referência na cidade gaúcha, e com participação daquele "menor aprendiz", hoje um dos principais executivos do setor no país. Nosso convidado de hoje (20) no Três perguntas para é Alexandre Gehlen, CEO da ICH Administração de Hotéis.

Presidente do Conselho de Administração do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil) e bastante ativo nas discussões que envolvem o setor, Gehlen sabe o tamanho do desafio que a pandemia representa. Certamente, ao longo desses meses, ficou noites sem dormir bem, perdeu cabelos, tomou decisões difíceis e, claro, trabalhou como nunca. É a conta que todo bom gestor tem que pagar em crises – e ele sabe muito bem disso. 

Neste bate papo, o CEO da ICH comenta o processo de reabertura dos hotéis das marcas geridas pela rede, fala sobre transformação digital e opina sobre o que pode mudar ou não no novo normal. “Sobre 2021, não temos bola de cristal. Na verdade, temos muito mais perguntas do que respostas ainda, mas particularmente não acredito em uma mudança radical na cultura, na forma de se relacionar ou na logística de ir e vir das pessoas em apenas um período de quatro meses de mudanças de hábitos”, diz. A seguir, veja o restante da entrevista.

Três perguntas para: Alexandre Gehlen

Hotelier News: Já dá para pensar em 2021? Na sua visão, quais serão os maiores desafios para o ano que vem e por que?

Alexandre Gehlen: Antes de responder, é importante contextualiza todo cenário. Abril e maio foram meses de contenção de despesas e de buscas para minimizar os danos que a pandemia trouxe ao setor. Depois, entramos em uma segunda fase, que foi a da sobrevivência, da análise dos créditos, o que fazer e como fazer, e não só na empresa, mas também na parte institucional. Neste momento, vivemos uma terceira, que é a da retomada e da recuperação. Essa etapa contempla um esforço enorme da nossa parte para entender como vão voltar os hotéis. É certo que estarão de cano vazio em termos de venda e, neste contexto, não poderíamos voltar de cano cheio em termos de custo. E isso não é privilégio nosso: acho que a maioria dos hoteleiros está fazendo seu dever de casa neste sentido.

Três perguntas para - Alexandre Gehlen_internaEngajado na política do setor, Gehlen é presidente do conselho do FOHB

Sobre 2021, não temos bola de cristal. Na verdade, temos muito mais perguntas do que respostas ainda, mas particularmente não acredito em uma mudança radical na cultura, na forma de se relacionar ou na logística de ir e vir das pessoas em apenas um período de quatro meses de mudanças de hábitos. Mais ainda, assim que houver uma vacina ou um remédio efetivo, acho que todos devem voltar ao seu habitat natural. O ato de viajar, de conhecer pessoas, de caminhar nas ruas ou até mesmo para fazer negócios… todo esse contexto que envolve viagens, incluindo ficar em hotéis, vai se manter, até porque o humano já o incorporou. Então, a missão para 2021 será entender o tamanho do estrago da pandemia na economia, nas pessoas físicas e jurídicas, bem como saber ao certo como isso vai se refletir no mercado e na demanda hoteleira. Esse é nosso grande desafio.

HN: Voltando a 2020, qual sua avaliação sobre esses primeiros passos na reabertura dos hotéis? Já dá para tirar alguma conclusão?

AG: Imaginávamos que retomaríamos as operações em junho, mas acabamos empurrando a maior parte das reaberturas para julho. No mês anterior, por exemplo, tivemos 24% de ocupação média, em linha com o que temos visto no mercado. Agora, este mês está um pouco mais complicado, apesar da malha aérea ter quase triplicado de tamanho. A demanda vem crescendo lentamente, o que é bastante natural. As pessoas ainda têm receio de viajar e o mundo corporativo ainda não voltou. Nesse segmento, o que tem gerado um pouco de demanda são grupos pequenos para atividades específicas, como viagens ligadas a manutenções de plantas industriais, operações que não podem parar. Acredito que a retomada vai custar a ganhar força e, neste contexto, hotéis que entraram nessa pandemia com dificuldades financeiras possivelmente vão ter problemas ainda maiores. Estimamos que de 20% a 25% da hotelaria não reabre e isso por diferentes razões, como o hoteleiro não ter acessado linhas de crédito ou porque preferiu transformar o ativo em um residencial. Então, acho que haverá uma acomodação natural no mercado e na oferta hoteleira e, na minha opinião, a partir de outubro ou novembro esse processo já estará mais claro.

HN: A aceleração digital será o maior "legado" da pandemia?

AG: Não esqueço minha professora de Estratégia no MBA da Fundação Dom Cabral. Segundo ela, a tecnologia é algo tão pujante e rico que é capaz de ingressar muito mais pessoas no mercado de trabalho do que o contrário. Isso era 1999, as videoconferências eram uma grande novidade. Passaram-se 20 anos e ela tinha total razão. Olhando de hoje para frente, de 2020 para 2040, também guardo outro ensinamento dela: não desenhe uma estratégia para um período que você não viverá. Não pense em algo para 100 anos, por exemplo. Depois desse preâmbulo, continuo achando que a transformação digital vai aproximar muita as pessoas, ampliando as viagens e as necessidades de locomoção. No fim do dia, a experiência de viajar que fez o humano evoluir, conhecer culturas, línguas e pessoas, promovendo melhorias contínuas e, claro, gerando mais negócios. Continuo acreditando nessa visão.

Agora, sim, a pandemia vai nos deixar uma sequela enorme em termos econômicos, mas, ao mesmo tempo, serão aprendizados riquíssimos para seguirmos em frente. Na hotelaria, não é diferente. Hoje, a Intercity está lançando dois apps: um para o público final, em cima de uma filosofia touchless e que, entre outras facilidades, vai facilitar o check-in e o check-out; e outro voltado aos investidores. Resolvemos antecipar esses investimentos, acelerar alguns projetos que estavam no forno e estamos apostando nisso. Sabemos, contudo, que é preciso ficar atento aos detalhes. De novo, temos muito mais perguntas do que respostas. E, diante disso, temos que estar preparados para duas realidades: o mundo que voltará ao “antigo normal” e todas essas novidades que a transformação digital vai trazer. Em termos de mercado de trabalho, dou uma dica aos profissionais de hotelaria: desenvolvam uma habilidade multitarefa. Esse deve ser o tom da conversa daqui pra frente até a humanidade entender melhor os próximos passos do mundo digital.

(*) Crédito da capa: Arquivo HN

(**) Crédito da foto: Divulgação/ICH Administração de Hotéis

(***) Crédito da foto: Peter Kutuchian/Hotelier News