Promessa de campanha, medidas para enxugar o Estado – como a diminuição do número de ministérios – começam a ganhar contornos mais claros com o fim do pleito presidencial. Notícia veiculada ontem (31) no jornal O Globo, especulou sobre o novo desenho dos ministérios do governo eleito. Citando informações de aliados de Jair Bolsonaro (PSL), a reportagem fala na redução de 29 para 15 pastas, com a fusão de algumas delas. A se confirmar a informação, o MTur (Ministério do Turismo) seria extinto, ficando abaixo do guarda-chuva do Ministério da Integração Nacional, muito provavelmente sob forma de uma secretaria especial, juntamente com a de Cidades (entenda melhor abaixo).

Mtur - infográfico

Mesmo antes de nascer, o novo desenho da “Esplanada dos Ministérios” já provoca celeuma aqui e ali. A fusão entre os gabinetes de Agricultura e Meio Ambiente, por exemplo, gerou críticas tanto de ambientalistas, quanto de ruralistas, além de milhares de memes. A criação de um “super ministério da Economia”, integrando Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior já teve recepção melhor do mercado financeiro. E o Turismo? O que representaria essa espécie de “rebaixamento” da pasta, criada em 2003, no primeiro mandato de Luis Inácio Lula da Silva?

Personalidades do trade turístico ouvidas pelo Hotelier News demonstraram preocupação com a medida, mas aparentemente ninguém foi pego de surpresa. A verdade é que, mesmo antes de sua criação, a pasta nunca foi entendida como estratégica para o desenvolvimento do país. Somada à necessidade de reduzir (e zerar) o déficit fiscal do governo federal, a eventual extinção do MTur era até certo ponto esperada.

Ainda assim, para eles, apegar-se à continuidade ou não do MTur não é algo tão relevante assim. O plano de governo para a área, a equipe montada para execução e, principalmente, o orçamento que será destinado para isso são vistas como questões muito mais importantes e estratégicas. O mesmo vale para a parceria com a iniciativa privada, que precisa ser atraída e incentivada pelo novo governo para continuar investindo e gerando emprego e renda.

Gastão VieiraVieira: pouca lógica na fusão dos ministérios

Ministério do Turismo: e agora?

Ex-ministro do Turismo durante dois anos no governo Dilma Rousseff, Gastão Vieira (Pros-MA) demonstrou pouca surpresa com a possível extinção do Mtur. “Mais uma vez, está se optando por não considerar o turismo como instrumento eficaz de geração de emprego e renda. Então, se é para ser assim, sem dar a devida atenção como fazem Portugal e Espanha, para ficar apenas nestes dois exemplos, é melhor acabar mesmo”, comenta.

Vieira também considera descabido fundir Turismo com Cidades, bem como deixar o setor turístico embaixo do guarda-chuva do Ministério da Integração Nacional. “Não vejo lógica nessa integração, são três setores muito diferentes. Cidades, por exemplo, gere recursos do programa Minha Casa Minha Vida. Integração Nacional constrói estradas”, afirma.

“Em um exercício teórico, talvez fosse melhor unir o Turismo com o MRE (Ministério de Relações Exteriores) ou MDIC (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). Temos um mercado doméstico consolidado. Nosso desafio é a atração de turistas internacionais. Acredito, por exemplo, que as embaixadas precisam atuar mais forte na promoção do país, o que justificaria uma integração com o MRE”, completa.

Fundador, presidente do Panrotas e liderança do Turismo há mais de 35 anos, Guillermo Alcorta segue linha parecida. “Na minha opinião é preciso unir a pasta do Turismo com de Comércio e Indústria. O Turismo é, sem dúvida, um alavancador de recursos muito importante e precisa ser tratado como tal. Vide exemplos de outros países como França, Argentina e Estados Unidos, que veem no setor um coadjuvante da pasta de Economia”, avalia.

jeanine-pires - fim do MturJeanine: orçamento é ponto fundamental

Caminho a seguir

Diante do desafio orçamentário, a fusão de várias pastas, não só a do Turismo, era mais do que esperada. Ex-presidente da Embratur, Jeanine Pires pensa dessa forma, mas coloca outras questões importantes na discussão. “Pensando de forma macro no governo, era preciso haver um realinhamento dos ministérios. Então, a junção era esperada. Agora, enxugar a máquina pública não significa apenas unir pastas. É necessária também uma reforma administrativa”, pondera.

“Isso é um tema bastante comum em todo governo que começa. Todos falam que enxugar a máquina pública é importante, como se todo o problema fosse esse. Temos clareza que o crítico não está aí. Simplificação de impostos e reforma tributária, por exemplo, são questões muito mais relevantes no que tange à situação fiscal do país”, faz coro Vieira. 

Ainda assim, o vital mesmo é saber para onde caminhará o setor institucionalmente dentro do governo. Para Eduardo Sanovicz, presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), é irrelevante saber qual pasta o Turismo ficará ligado. “É preciso respeitar três premissas básicas. A primeira é o programa de trabalho, ou seja, o que vai ser feito. A segunda refere-se à qualidade da equipe que comporá a pasta. Por fim, qual será o orçamento para suprir as necessidades de promoção e marketing”, acredita.

Jeanine vê o último ponto como fundamental, e acrescenta. “Historicamente, o MTur tem pouca verba e, nos últimos anos, era o segundo mais baixo de toda Esplanada. Então, com a situação fiscal do governo, é muito importante ter clareza sobre isso", avalia.

Patrick Mendes_AccorHotels - Ministério do TurismoMendes: "Queremos participar de agenda positiva"

Iniciativa privada

Independentemente dos rumos do MTur, todos os entrevistados foram unânimes em considerar a extinção da pasta um erro. É, mais do que nunca, a prova de que o setor não é visto como deveria pelo governo federal, ainda mais em um período de desemprego elevado. Neste sentido, eles ressaltaram a importância da iniciativa privada apoiar (e sem amparada) pelo governo, em um trabalho de parceria.

Jeanine destacou a pauta de demandas do setor entregue pela CNC (Confederação Nacional do Comércio) aos candidatos. Nada melhor, contudo, do que ouvir um dos líderes empresariais do mercado. “Para o turismo crescer, você precisa de infraestrutura, de aeroportos, de voos, de trem, de estrutura rodoviária, de promoção do turismo. E, neste sentido, o governo tem muito que nos ajudar”, diz Patrick Mendes, CEO da AccorHotels para América do Sul e Caribe.

“É prioridade promover o Brasil internacionalmente e também internamente, colaborar para a promoção de eventos e festas culturais e de negócios. Queremos participar da criação desta agenda positiva entre governo e iniciativa privada. Tenho certeza de que conseguiremos, juntos, ampliar o potencial enorme de turismo que o Brasil ainda não explorou”, afirma Mendes. “O momento é importante para podermos ajudar o governo a encontrar o caminho para que o turismo seja valorizado. Ficar isolado também não resolve, pois não há recursos para o seu avanço”, complementa Alcorta.

Haja o que houver, é essa parceria que pode manter o setor no rumo do crescimento. Bom mesmo é saber que o empresariado está antenado e, principalmente, disposto a continuar seus investimentos. Que os ventos de Brasília, sejam eles quais forem, soprem para levar o Brasil para o alto, sem desvios de rota.

(*) Crédito da capa: Divulgação/MTur

(**) Crédito da foto: Arquivo HN

(***)  Crédito da foto: César Ogata/Arquivo HN

(****) Crédito da foto: Filip Calixto/Arquivo HN