Patrick Vaysse, diretor de Operações das

marcas Pullman e Mercure Accor América Latina
(fotos: Juliana Bellegard)
 
Quando se fala em hotelaria, opiniões leigas dividem-se. Há quem ache a profissão uma ótima desculpa para passar a vida viajando e conhecer lugares exóticos. Existem aqueles que veem as viagens como uma ínfima parte de uma carreira deveras idealizada, que muitas vezes exige esforço e dedicação, como qualquer outra profissão. No meio-termo, em algum lugar no meio destas visões opostas, estão pessoas como Patrick Vaysse. O diretor de Operações das marcas Pullman e Mercure da Accor na América Latina já teve suas cotas de viagens e também de trabalho duro.
O planejamento de sua carreira – desde o momento em que optou pela hotelaria até a decisão de deixar a área puramente operacional para se dedicar a funções mais corporativas – é o exemplo que ele dá a seus colaboradores em reuniões nas quais o diretor busca entender os anseios daqueles que fazem, de fato, o hotel funcionar. “Se você quer fazer algo, realmente faz. Fazemos mesas abertas nos hotéis uma vez por mês, convidando os profissionais que, no dia a dia, têm pouca voz dentro do empreendimento. Pergunto o que gostam ou não gostam, se têm plano de carreira, mobilidade, para onde querem ir. Eles dizem: ‘Eu quero viajar, quero conhecer outros lugares, mas não sei como fazer. Então, conto a minha história da China'”, relembra.

Por Juliana Bellegard
 
 

França-China
Quem vê Patrick Vaysse pelos corredores do Pullman Ibirapuera, o semblante um pouco sisudo e o terno e gravata destoando da fala tranquila e do bom humor, não adivinha que este francês radicado no Brasil há quatro anos tem alguma “história da China” para contar. O clichê “cidadão do mundo” aplica-se aqui, embora o sotaque ainda guarde a identidade de sua terra natal. Apesar de ter estudado e começado sua carreira em terras francesas, foi em lugares distantes do globo que ele se consolidou no metiê da hotelaria. China, Tailândia, Indonésia, Nepal de um lado, Colômbia e Brasil de outro. A formação de um executivo nascido dentro de uma das raízes da cultura ocidental como a que se conhece hoje se confronta com a realidade de países nos quais, 20 anos atrás, jamais se pensaria em construir um hotel.
 
“Depois de 16 meses na França, trabalhando em um ibis, tive a convicção de que precisava sair. Conversei com o pessoal do RH da Accor e disse que queria viajar, conhecer o mundo. ‘Eu quero ir para muito longe, o mais longe possível’, falei. Tão longe que fui para Xangai. A China ainda não era o País que é hoje – era muito fechado, com pessoas simpáticas, mas onde a influência de Mao [Tsé-Tung, fundador da República Popular da China que governou o país até a década de 1970] ainda é muito forte. E nós, europeus, abrindo um hotel em Xangai. Foi fantástico, um momento bastante decisivo para a minha carreira”, conta ele.
 
Com pouco mais de 20 anos de idade, Vaysse passou um ano e meio na China e dali foi convidado para trabalhar em outros empreendimentos da rede francesa na Ásia.
 
O gosto pela hotelaria, segundo ele, veio quase de berço: a mãe tinha uma loja de comidas finas no Sul da França. Quando pequeno, o executivo começou a ajudá-la na cozinha e com as vendas. “Desde esta época já tinha claro para mim que a hotelaria era uma área que me interessava. Não tanto o turismo – porque sim, queria viajar, mas não era só isso. Era a hotelaria”, relembra. Após formar-se na École Hôtelière de Marseille, onde aprendeu “todo o básico para administrar um hotel ou um restaurante”, foi cumprir o serviço militar obrigatório na Martinica, ilha que faz parte de domínio francês. Ali, conheceu um gerente geral do Sofitel local e começou sua longa relação com a Accor. De volta à França, apresentou-se no departamento de Recursos Humanos da rede e, de bate pronto, estava empregado.
 
 
O choque entre a formação profissional e a realidade dos destinos onde trabalhou foi grande. “Eu tinha uns 20 anos mais ou menos e esta educação francesa, uma visão europeia. Entrei em contato com a cultura asiática, especificamente a cultura chinesa, a mais fechada, mais complicada para entender, na qual a diplomacia, por exemplo, é um valor importante. Este primeiro ano e meio na Ásia foi uma grande escola para mim, pois mudei toda a minha maneira de pensar. Decidi que precisava focar nessas novas experiências”, relembra. A busca por novos desafios, que ele aponta como parte de seu perfil profissional, o levou a gerenciar o setor de A&B de um empreendimento na Malásia – país que, ao contrário da China, tinha uma cultura bastante homogênea e reunia uma população de origens e costumes diferentes.

China-Malásia-Indonésia

“Na Malásia, existem três culturas distintas: a chinesa, a indiana e a malasiana. As comunidades vivem em conjunto em um país tão pequeno. No hotel isso era ainda mais difícil, porque você tem que trabalhar com essas diferenças, com essas três populações, providenciar alimentação correta, treiná-los, tratá-los de maneira diferente. Mais uma vez, foi uma experiência enriquecedora, serviu para entender que, dentro de um mesmo empreendimento, tinha três maneiras de passar para os colaboradores aquilo que eu queria”, explica. A passagem pela Indonésia, no entanto, ele descreve como aventura: sua missão, ali, era abrir um Sofitel no meio da floresta, em uma das ilhas daquele país, um conhecido ponto turístico.
 
A floresta não apresentava desafios maiores do que os enfrentados por Vaysse por conta do idioma. Embora o inglês fosse o idioma mais utilizado para toda a comunicação naquela metade do mundo, ele passou por algumas dificuldades para fazer-se entender. “A Malásia foi outra experiência. Enquanto na China eu tentava falar inglês com os chineses, na Malásia todo mundo falava inglês perfeitamente. Já na Indonésia, todos falavam apenas o dialeto local. Havia poucos europeus – eu era único, de uns três ou quatro no lugar, que trabalhava na hotelaria. Tínhamos um ponto de encontro uma vez por semana para falarmos inglês”, relembra. Porque os locais não falavam nada de inglês, falavam o dialeto local. Tal qual os personagens de Sofia Coppola em Encontros e desencontros, ele também ficou perdido na tradução. “Para mim, era muito difícil me comunicar com qualquer pessoa, se precisava de qualquer coisa, tinha um tradutor. Desde pedir um café até conversar com os fornecedores do hotel. Foi um exercício de negociação, de paciência, que foi muito bom”, completa.
 
(foto: divulgação)
 
Indonésia-Tailândia
A temporada asiática na Accor encerrou-se com uma abertura na Tailândia, país que o diretor descreve como “porta de entrada para o turista em termos de infraestrutura”. Tal qual os outros empreendimentos por onde passou anteriormente, sua tarefa era colocar o hotel em operação. O aprendizado de toda essa imersão nas diferentes culturas orientais, asiáticas e insulares? “Comecei na Europa, me formei na França, com a hotelaria bem tradicional, esta visão bem europeia. E, de um dia para o outro, entrei na Ásia, onde tudo é diferente, os hotéis são imensos, o luxo é fantástico. Esse tempo foi de grande aprendizado em todos os sentidos: cultura, produto hoteleiro, serviço, atendimento. Aprendi a ouvir, não escutar, mas ouvir as pessoas, o que eles estavam falando. Porque atrás de cada palavra, na Ásia, tem uma ação, um significado diferente. As tradições deles não são como as nossas”, coloca.
 
Após oito anos trabalhando na rede francesa, Vaysse sentiu que era a hora de partir para outros desafios – apesar das dificuldades na Tailândia, percebia estar em sua zona de conforto, trabalhando em uma rede conhecida, com toda infraestrutura e suporte por trás. Em suas viagens e nos finais de semana, ele já havia visitado alguns hotéis concorrentes na região. Decidiu, então, apostar no mercado de luxo e passar para as cadeias deste segmento: foi ser gerente geral do Banyan Tree Bintan, resort instalado também na Tailândia, com 54 villas de 250m², um empreendimento de luxo. Sua missão, além de comandar todo o hotel, era auxiliar na abertura de 40 villas adicionais.
 
“Era um nível de luxo totalmente diferente dos empreendimentos da Accor que eu já havia trabalhado. As villas têm piscina privativa, são casas com dois quartos, living room e uma vista para o mar”, comenta. Todo esse luxo, claro, tinha um preço. O diretor conta que os clientes, ali, podiam, facilmente, gastar em uma semana US$ 30 mil, US$ 40 mil. “Eles chegam ao hotel com transporte privado e, por uma semana, ficavam em suas villas. Cada uma das acomodações tem um mordomo e outros três colaboradores totalmente à disposição do cliente. Eles estavam ali para o que o hóspede precisasse. Se você não precisa, eles desaparecem”, diz.
 
 
 
Ali, conheceu um segmento de cliente bastante peculiar: o hóspede de luxo. Embora houvesse aqueles que passavam pelo resort em lua de mel, em datas comemorativas ou ocasiões especiais, havia também aqueles que estavam totalmente acostumados a um nível altíssimo de serviço. Exigências que, em outros hotéis, deixariam os colaboradores de queixo caído, quase num déjà vu da personagem Miranda Priestly, do filme O diabo veste Prada, no Banyan Tree, que eram coisas corriqueiras. “É um mundo de luxo, de luxo de verdade. Para nós, são coisas esquisitas, mas para eles têm uma razão. São executivos que querem ficar um período desconectados do resto do mundo, mas ter todas as suas vontades atendidas. Nós temos que entender. Se você, gerente do hotel, não o atende, esse cliente vai achar outro hotel que faça”, alerta.

Tailândia-Colômbia
A “separação” da Accor durou pouco. Uma ligação e uma nova proposta: em vez de atuar como gerente geral de alguma das unidades da rede mundo afora, assumir um cargo mais corporativo. “Foi uma decisão de carreira. Naquele ponto da minha vida, tinha duas opções: ficar como gerente geral em hotéis de luxo a vida toda –  e isso seria uma opção de vida ótima -, ou buscar conhecer outros níveis de gerenciamento dentro da hotelaria, ser responsável por uma região, por um país, continente, operação de várias marcas. Eu escolhi este caminho”, diz Vaysse, cuja decisão acarretou em mais uma grande mudança em sua vida, não só na questão profissional: da Ásia, ele fincou suas raízes na América Latina.
 
“Sair da cultura asiática para a sul-americana foi um grande choque, mas estava, de alguma maneira, mais próximo de minha cultura. Meu avô era espanhol e a minha vinda para a América Latina foi para me encontrar um pouquinho também”, conta. A aclimatação aos costumes, língua e sangue latino foi feita, primeiro, com três meses de curso intensivo de espanhol na Espanha – estratégia que surtiu pouco efeito, conforme conta ele, pois o castelhano falado na Colômbia, seu país de destino, era bastante diferente do aprendido na sala de aula. No final da década de 1990, o país era, no entanto, pouco idílico. Enquanto Vaysse pensava em salsa, café e esmeraldas, seus colegas da Accor puseram na mesa outras cartas: guerras, bomba, sequestro, narcotraficantes. O difícil panorama à época não impediu o executivo de mudar-se para lá, primeiro para Cartagena e depois, Bogotá.
 
 
 
Nas cidades, teve sob sua responsabilidade o Sofitel Santa Clara e o Sofitel Bogotá Victoria Regia. Nos anos que seguiram, Vaysse dedicou-se a dar à sua carreira o rumo que ele havia escolhido, galgando cargos de responsabilidades cada vez maiores: gerente geral, gerente de praça, gerente de país, gerente de vários países, e hoje em dia diretor de várias marcas em todo o continente sul-americano.

Colômbia-Brasil

Sua parada mais recente, há quatro anos, foi no Brasil. Mais especificamente, em São Paulo. Os desafios – ainda que menos aventureiros que os anteriores – não eram em nenhuma medida menores: reposicionar a marca Mercure e iniciar o trabalho com a marca Pullman no País. “O Roland de Bonadona, que é o COO da Accor hoje em dia, me convidou para trabalhar no Brasil há quatro anos e me deu essas duas metas”, relembra. “A Mercure precisava de uma mudança, ser uma rede de hotéis mais contemporâneos, mais dinâmicos. Hoje, estamos fazendo reformas em 56% das unidades. Em paralelo a isso, tinha a Pullman. Ele não era luxo, era um upscale. Eu queria fazer dele um upscale bem, assim, upscale. A sorte é que o Bonadona mesmo falou ‘Você vai representar a América Latina com a Accor no Brand Board das marcas em Paris'”, relata.
 
Assim, Vaysse participou do grupo que idealizou a marca. Eram 14 executivos que, segundo ele, tinham perfis profissionais diferentes – uns mais criativos, outros, mais práticos, trabalhando, trazendo reflexões, ideias, criticando, olhando os concorrentes, para montar o DNA da Pullman. Por participar neste brand board, ele teve a oportunidade de colocar toda a teoria em prática em São Paulo. Inaugurado no último mês de junho, o Pullman São Paulo Ibirapuera foi o segundo da marca na América Latina – o primeiro está instalado na cidade de Rosario, na Argentina.
 
Patrick Vaysse com Firmin Antônio, um dos fundadores da

Accor no Brasil, e Carlos Bernardo, gerente geral do Pullman
São Paulo, durante a inauguração do empreendimento
 

A ideia de uma marca moderna, contemporânea, que atendesse um cliente corporativo, internacional, mais exigente; porém não padronizada, é o que norteia as operações do Pullman. De acordo com Vaysse, no entanto, o grande desafio na conversão do empreendimento paulistano, que antes era um Grand Mercure, foi implantar a cultura entre os colaboradores. Colaboradores da casa há tempos, os membros da equipe passaram por um treinamento para ‘vestir a camisa’ da nova marca.

 
O resultado não poderia ter sido melhor: “Este é um hotel que já era importante, mas a vinda da marca Pullman deu uma visibilidade a ele impressionante. Absurda. Porque antes da abertura, as pessoas já sabiam que a marca chegaria, havia uma expectativa. É uma novidade, uma marca nova, dinâmica, com a questão da interatividade e da conectividade muito forte. O hotel já cresceu muito. Para mim, ele é um flagship da Pullman no Brasil hoje em dia”.
 
Os próximos projetos da bandeira incluem uma unidade em Belo Horizonte e outra em Santiago. Vaysse explica que a ideia é levar a Pullman para as principais capitais da América Latina.
 
Contato
 
*Devido ao feriado do Natal, esta reportagem ficará em destaque no Hôtelier News, excepcionalmente, até o dia 30/12/2011.