Otavio Novo

Conforme prometido na campanha das últimas eleições presidenciais, foi decretada a flexibilização da posse de armas no Brasil. E apesar de ainda manter certo limite ao uso de armas, essa é uma decisão que mostra o rumo das políticas públicas relativas a segurança do país, e, consequentemente, das práticas sociais e seus efeitos diretos na vida de todos nós e também, de forma importante, com impacto imediato para o Turismo do nosso país. 

Antes de abordar o tema central, é importante definirmos melhor o que quer dizer a expressão “flexibilização da posse de armas”. O decreto presidencial nº 9.685, de 15 de janeiro de 2019, (alterando o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamentou a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003), cria novas condições para a aquisição, comercialização e posse de armas. Entre elas, o aumento do tempo para renovação do registro de 5 para 10 anos, e a ampliação do conceito da condição da “efetiva necessidade”, que agora define a possibilidade de pessoas acima dos 25 anos em qualquer unidade federativa do país, obterem a posse de armamento. 

Importante reforçar que a recente decretação da flexibilização se refere diretamente a posse e não ao porte de arma. O que significa dizer que, em tese, o novo direito se limitaria a facilitação da possibilidade de se ter armas em casa ou estabelecimentos comerciais, ou seja, ficando excluídas alterações quanto ao direito de circular com armamento. 

Dito isso, e passando a refletir sobre os efeitos diretos e concretos da alteração desse ponto tão controverso para o turismo, sabemos que se trata de um tema que causa discussões acaloradas e, na maioria das vezes, com certa divisão de opiniões, o que torna muito importante a busca por fundamentações científicas e estatísticas para demonstrar o melhor lado a seguir. 

E a literatura e os estudos contrários à ideia de flexibilização de armas é extensa em todo o mundo, entretanto, mesmo com demonstrações embasadas e claras sobre a precariedade de se armar pessoas comuns em nome de se “fazer segurança” de forma eficiente, especialmente em se tratando de cidadãos com pouco, ou nenhum, treinamento, é comum haver o contra ponto da garantia ao legítimo e universal direito de defesa.  

Assim, mesmo diante desse conhecido impasse, alguns questionamentos específicos para o Turismo do Brasil, são de grande relevância, especialmente nesse momento de busca de retomada desse setor fundamental para nossa economia e sociedade. Alguns desses questionamentos, são: i) mais armas significa mais ou menos segurança nas regiões do nosso país? ii)Quais tipos de mudanças ocorrerão nas “operações fim” do turismo nacional, por conta dessas novas políticas? iii)Quais os riscos deverão ser minimizados,  incluídos ou potencializados nos mapeamentos realizados pelas empresas responsáveis pela segurança dos seus clientes? iv)Como as agências de turismo internacionais se posicionarão sobre isso, já que também são legalmente responsáveis pelos turistas que mandam para o Brasil? 

Normalmente, os mapeamentos realizados em estruturas do setor de turismo no Brasil, costumam apresentar alto grau de risco de ocorrência de situações como agressões, sejam em roubos, sejam em desentendimentos entre clientes, ou até mesmo entre familiares, e ainda, de forma bem frequente, em brigas conjugais. Além disso, casos como suicídio são frequentes em ambientes do setor do turismo, especialmente nos meios de hospedagem. 

E continuando os questionamentos necessários: Qual deverá ser o efeito dessa tendência de políticas de flexibilização de uso de armas nesse cenário? O que deverá ser feito pelos gestores do turismo para prevenir os riscos emergentes? Qual o custo disso? 

É certo que o Brasil é um dos destinos mais completos e desejados por turistas à lazer ou negócios do mundo todo, e é desnecessário repetir aqui toda a potencialidade do turismo no nosso país. Entretanto também é certo que somos ainda somos vistos como um país inseguro, violento e desorganizado. 

E, como sempre, o turista analisará, mesmo que de forma simplificada, o risco de escolher o destino Brasil, e de transitar em localidades onde o número de armas é cada vez maior, numa realidade que está longe de se demonstrar preparada para isso. Afinal, vale lembrar que toda a cadeia do turismo está inserida na dura realidade de cada localidade e conviverá, inevitavelmente, com as condições gerais e os riscos existentes.  

Podemos imaginar, portanto, que ainda restarão muitas dúvidas quanto aos efeitos da flexibilização da posse de armas e de como isso será compreendido e traduzido para a vida prática da sociedade e do turismo local,  inclusive no que se refere aos responsáveis legais e gestores de estabelecimentos como hotéis , restaurantes , teatros, etc,  que poderão ter armas  nesses locais, para “garantir” a própria segurança, dos bens e das pessoas que ali estiverem. 

E diante das opções turísticas no mundo e alta competitividade atuais, dúvidas como essa são fatores muito relevantes no processo de escolha de um ou outro destino turístico. 
Certamente, a regra em toda organização de viagens (particular ou corporativa) é escolher lugares seguros para as férias com a família e ou para realizar eventos e negócios. E o conceito de segurança é muito mais amplo do que soluções rápidas e emergenciais adotadas pelo poder público e, ainda mais, quando em se tratando de medidas que transferem tanta responsabilidade para cidadãos comuns, despreparados e também amedrontados pela violência local. 

Um país acolhedor é aquele que demonstra aplicar segurança no seu sentido amplo, ou seja, com práticas focadas na inclusão, no acesso a melhores condições gerais no sentido de maior harmonia e equilíbrio social, aplicando ações claras,  desde o respeito e atenção com a formação e oportunidade de todos, até a forma como estabelecer as medidas adequadas de prevenção, correção e punição em caso de crimes ou outros desvios de conduta. 

Com relação aos estabelecimentos do turismo e seus gestores, o importante é incluir análises sistemáticas quanto suas exposições aos riscos, os novos e os existentes, e aplicar ajustes pontuais e necessários para mitigar as ameaças e aumentar a proteção das pessoas e valores sob sua responsabilidade. 

Nesse cenário de vulnerabilidade que nosso país se encontra, é preciso sim que todos assumam a responsabilidade ao atuar em prol da segurança. E os nossos visitantes, internos e externos, devem esperar mais de nós do que atalhos perigosos, como dispor de mais armamento para os cidadãos que só querem mais paz. E nesse sentido, a expectativa é que todos se armem, mas não de pistolas e revolveres dentro ou fora dos cofres dos quartos e escritórios, mas sim que a munição sejam dados confiáveis, estudos especializados e investimentos coerentes para criarmos um ambiente seguro para nossas famílias e, consequentemente, para os nossos convidados do mundo todo.   

 

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Otavio Novo é profissional de Gestão de Riscos e Crises, com 17 anos de atuação em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Consultor e idealizador do projeto Novo8, mencionado pela ONU no IY TOURISM 2017.  Advogado e membro da comissão de Direito aplicado à hotelaria e turismo da OAB/SP. Durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels para cerca de 300 propriedades e 15 mil colaboradores em nove países da América Latina.

Em junho de 2018, Otavio Novo participa como um dos professores da segunda edição do Curso HRCM – Hotel Risks and Crisis Management (Gestão de Riscos e Crises na Hotelaria).

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