Móris Litvak

Existem passagens do Velho Testamento muito conhecidas, que já renderam filmes e novelas. É o caso da travessia do Mar Vermelho, as interpretações que José fez dos sonhos do Faraó, e várias outras. Tem uma, em especial, muito importante, mas menos conhecida, que eu gosto muito.

A Bíblia relata que pouco tempo depois de sair do Egito, o povo hebreu se encontrava prestes a entrar na Terra Prometida. Apesar da promessa de Deus de que Ele estaria sempre à frente para proteger a caminhada, o povo se mostrava sempre reticente. Então, foram até Moisés pedir para que um representante de cada uma das 12 tribos fosse antes à Terra Prometida para verem o que lá encontrariam. Moisés disse que isso não era necessário, mas perante a insistência do povo, ele foi até Deus solicitar permissão para a empreitada desnecessária. Deus se irritou, mas permitiu a ida dos “espiões”. Eles lá ficaram 40 dias, e ao retornarem, trouxeram más notícias, que era uma “terra habitada por gigantes”, mas também da qual emanava leite e mel.  

Então o povo chorou, temendo o que iriam encontrar. Isso fez com que Deus se enfurecesse de vez, chegando a decidir o extermínio desse povo que não tinha fé, apesar de todos os milagres que eles já haviam presenciado. Perante a súplica de Moisés pedindo o perdão divino ao povo, Deus então decidiu que aquela geração teria que morrer no deserto, pois ainda trazia maus costumes do tempo no Egito, e determinou que o povo vagasse no deserto por 40 anos (um ano para cada dia que os espiões ficaram na Terra) com o objetivo de fazer entrar em Israel uma nova geração. E assim foi.

Voltemos a 2020. Curiosamente, vários estudos atuais tem mostrado que o pico dos casos de mortes e contaminações tem ocorrido próximo aos 40 dias após a curva de casos de Covid-19 começar a subir. Algo que ocorre em vários países diferentes. Parece que aqui estamos tendo algo muito semelhante. 

O que podemos aprender com o relato bíblico? Quase todas as opiniões a respeito da retomada da economia, dizem que teremos que adotar novos hábitos (coincidência?) após o fim da quarentena. E isso é particularmente verdadeiro no caso da hotelaria. Estamos vendo vários hotéis fechando definitivamente, o que é lamentável sob todos os aspectos, mas é bem provável que isto esteja ocorrendo porque já não vinham bem antes desta crise. O padrão de higiene e limpeza nos estabelecimentos será muito mais rígido, os hóspedes virão em menor número, o que obrigará os meios de hospedagem a ter um controle financeiro e de custos também muito mais rígido.

É muito triste assistir à eliminação de milhares de empregos, na hotelaria em particular, e em todos os outros setores, profissionais que se esforçaram muito, se aperfeiçoaram, e sobretudo, gente que foi “contaminada” no bom sentido, com o vírus da hotelaria.  No meu caso posso dizer que isso ocorreu desde que adentrei a este mundo da hospitalidade, não mais saí, faço o meu trabalho com o maior prazer e procuro levar essa sensação a todos que me cercam.

Seja lá como for a retomada da economia, uma coisa é certa: nunca mais esqueceremos estes dias terríveis, e creio que devemos aproveitar a oportunidade para repensarmos muita coisa sobre as nossas vidas, porque muitas coisas mudarão – além das mudanças esperadas na hotelaria – e quem não mudar poderá ficar em “quarentena” por muito tempo, em algum deserto.

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Formado em engenharia pela USP, Móris Litvak trabalhou na indústria de computadores quando esta surgiu no Brasil e, mais tarde, em assistência técnica. Fundou a WebBusiness em 1996, que hoje chama-se Omnibees. Iniciou fazendo sites, tendo concentrado-se em sites para hotéis e logo focado em reservas online. Atualmente ele comada a easyHotel, voltada ao fornecimento de tecnologia de gestão e reservas para pequenos meios de hospedagem.

(*) Crédito da foto: ArquivoHN