Julio Gavinho

É fácil observar um fabricante de sapatos brasileiro e deduzir com base na exposição da sua marca, que se trata de uma grande organização.

Observamos as incontáveis lojas em shopping e as nossas amigas flutuando sobre as peças mais modernas do design internacional de calçados…

A verdade é que só uma parte disso é realmente verdade. A maioria absoluta das lojas dos grandes calçadistas são franquias, empreendimentos de terceiros que são de fato clientes compulsórios da marca franqueadora. Uma parte significativa das vendas destas mesmas marcas ao exterior são movimentadas pelos agentes e representantes comerciais, que compram os sapatos a precinhos camaradas e revendem a preços de salto alto. Um negócio de boa monta que na verdade, são muitos negócios de pequena monta. Estes gigantes da palmilha são industriais, fabricantes de calçados. Sobre o resto da cadeia pesa apenas a responsabilidade da supervisão (o que não é pouco…).

Agora, olhe para o setor de viagens e turismo. As grandes empresas que movem o setor economicamente são as companhias aéreas que, diga-se lá a verdade, não vão lá tão bem assim. Mesmo não indo de vento em popa estão se mantendo abertas graças ao imenso corte de pessoal e serviços que implantaram faz alguns anos, na sua própria carne. Os que são como eu, já entrado em anos, lembrar-se-ão da saudosa Varig e seus upgrades, dos maravilhosos pratos da Air France e da variedade de bebidas do aerobar da BA. Então… todas passaram por processos dolorosos e, sem a ajuda dos respectivos bancos estatais de fomento quebraram ou foram socorridas de alguma outra forma. Como consequência da ajuda, as que sobreviveram, foram compradas ou admitiram sócios capitalistas, mudaram completamente seu modelo de negócios. Sinal dos tempos. Hoje voce só voa de graça ou com desconto se você for uma barrinha de cereal. Todo resto paga – tarifa top e voo de lowcost-lowfare.

O caso dos hotéis ainda é mais interessante, e se assemelha ao das grandes fábricas de calçados. As grandes e vistosas redes não são donas de nada ou, se são, é de uma parcela irrelevante do seu inventário mundial. Os grandes hotéis internacionais e nacionais são em sua maioria, resultados de contratos de administração ou de franquia, que são em verdade contratos de prestação de serviços. 

As agências de viagens como conhecíamos praticamente deixaram de existir, e no seu lugar surgiram as “online-travel-agencies”, ou OTA’s. Assim como o sistema bancário, elas terceirizaram para você o serviço da agência (ou seja: você procura, você reserva, você confirma e você processa o pagamento) e ganham, vá lá, quase o dobro do que custava para você em comissões de agências pré-históricas. Mesmo com toda a presença na nossa vida, Booking, Decolar, etc são intermediários repassadores – não são donos do que vendem. As OTA’s ocupam cada vez mais o espaço virtual das redes hoteleiras cobrando comissões que chegam a inviabilizar pequenos negócios. O que fica é que o mundo virou muito rápido e, você que é empreendedor hoteleiro, virou “refém” deste novo sistema. Muito forte “refém”? Pense na sua vida sem OTA’s, Sr. hoteleiro. Eu entendo a lei de paridade tarifária, quando os donos de hotéis (que contratam as OTAs para vender suas diárias) são obrigados a vender nos seus canais diárias por preço igual ou maior que o publicado nas agências digitais. Isto é mais velho que, diria Dom João VI, “obrar sentado”.
 Nos anos 70/80/90 às agências de turismo receptivo e, na sequência a CVC, compravam pacotes polpudos de diárias adiantadas para ajudar o fluxo de caixa dos hoteleiros e para aumentar a sua margem no turismo internacional. É parte do jogo comercial pagar menos por um produto que você efetivamente compra em maior quantidade. Vivíamos dias de Walpax e Tours Brazil, e de visíveis estrangeiros perambulando pelo país.

O fato comparativo entretanto é que os atacadista (ou mayorista) compravam, pagavam por estas diárias com aquele desconto e os hoteleiros, quando de suas sales blitz mundo afora, respeitavam cavalheirescamente esta regra.

A internê mudou a regra do jogo, deu acesso ilimitado a tudo e a todos e os hoteleiros partiram então para a briga solo. Parece-me que, sendo entre os dois maiores investidores do setor de turismo no Brasil, estão sozinhos e apanhando para cacete.

Depois deste lero-lero todo fica a pergunta de um dólar: Quem são mesmo os corajosos empreendedores do setor de turismo neste admirável mundo novo? Eu entendo que são prioritariamente os hotéis individuais que aqui em terras de Capitu, não tem acesso a crédito incentivado. São os donos de transportadoras com seus carros e ônibus que apanham de todos os lados. São as pequenas e bravas agências de viagens que ainda operam, buscando nichos como ricaços, LGBT, sênior citizens ou de cursos e educação. 

Agora a pergunta de um milhão de dólares: Quem representa e dá eco no congresso nacional estas vozes roucas? E perante os bancos públicos? Quem grita? Quem olha a regulamentação do setor? 

Ok, o setor de viagens e turismo é pulverizado e isso dificulta a organização em uma associação única, forte e representativa. Porém eu gostaria de adicionar meus dois centavos nesta conversa toda, explicando que associações empresariais de classe fortes são os pilares do desenvolvimento econômico de uma nação. Fortes? Sim, fortes na representação. Quando temos uma associação de hotéis, outra de resorts, e outra ainda dos operadores hoteleiros, outra de fornecedores de hotéis, etc, fica fácil demais para a outra ponta da mesa dizer “não” porque você, na verdade, não representa tanta gente e tanto voto assim. Nosso setor nunca elegeu um digno e exclusivo representante nacional.

A desoneração da folha, a flexibilidade de contratos de trabalho olhando sazonalidade e picos de demanda, o crédito incentivado e melhor acesso a decisão de políticas públicas, negociações de comissões e prazos de pagamento são assuntos que devem ser defendidos em grupo, profissional enquanto ferozmente, perante quem de direito.

Deveríamos pensar em como e quando interromperemos o círculo de “falar conosco mesmos” e não de como criaremos novas associações para defender sei lá o quê.

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Julio Gavinho é executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência, fundador da doispontozero Hotéis, criador da marca ZiiHotel,  sócio e diretor da MTD Hospitality.

(*) Crédito da foto: divulgação/Vervi Comunicação