Felipe Touro

Lendo na semana passada uma matéria intitulada “Apple perde US$ 73 bilhões em valor e cria pânico nos mercados com anúncio”, fiz algumas reflexões. 

É inegável que a relação entre EUA e China possa ter contribuído para isto em função da iminente Guerra Comercial entre os países. No relatório publicado pelo FMI em outubro de 2018, isto era tratado inclusive, como um fator de risco à economia global, fazendo com que os países emergentes ficassem vulneráveis, digamos assim, em função do aumento da taxa de juros dos Estados Unidos e o aumento de sobretaxas nas importações/exportações. 

Mas e nós, hoteleiros, o que temos a ver com isto? Isto interfere na balança comercial do país, que por consequência afeta o crescimento do PIB. E se o PIB cai, temos como prováveis causas a desaceleração da economia e a diminuição no poder de consumo por determinados bens e/ou serviços – aqui um fator que poderia influenciar no comportamento de mercado e na curva de oferta e demanda de cada um de seus hotéis. 

Toda produção da Apple está na China, e não nos Estados Unidos, o que não é por acaso, uma vez que segundo economistas e analistas americanos, a escala, velocidade, flexibilidade, diligência e qualificação são tão (ou mais) importantes que a economia e tais características, hoje, seriam pouco prováveis de serem alcançadas em fábricas instaladas nos Estados Unidos. Apesar disto, a culpa não pode ser atribuída 100% a China, já que, existem outras variáveis que pesam e que devem ser consideradas.

Há quem diga que isto pareça ser um movimento de dumping, o que na economia significa quando uma empresa tem a possibilidade de cobrar pelo seu produto no exterior, um valor menor comparado a aquele que é cobrado em seu país de origem, com isto a empresa passa a ter maior vantagem competitiva no país importador.

Vê-se dumping como uma prática de concorrência desleal, até mesmo porque empresas alocadas no mercado local não necessariamente vão conseguir baixar o preço principalmente porque tem seus custos já estabelecidos. Neste ponto talvez tenha feito você refletir que a prática contínua de preços baixos em seu hotel, abaixo dos seus custos, pode levá-lo a deterioração dos resultados, levando à movimentos no médio e longo prazo como a revisão de corte de custos ou até mesmo falência. 

Outra visão que vale ser compartilhada é que dumping é uma ação com o intuito de fazer o mercado se movimentar de modo mecânico, não natural, de modo que a empresa possa manipular o mercado e/ou ter maior controle sobre ele, e neste caso, a Apple quando faz o anúncio, ela basicamente força os fornecedores e concorrentes a tomarem ações e mexer em preços. 

Claro, esta é apenas uma das possibilidades e para todo caso existem critérios, metodologias e óticas diferentes para análise de cada situação. O que isto também tem a ver conosco? Tudo. Porque mais do que falar de iPhone, esta reflexão e cenário reflete no negócio de todos nós porque vai muito além de um simples gadget e retrata questões macroeconômicas, que abordam o mercado de divisas, títulos e monetário, juros, inflação, PIB, resultado das contas e dívida pública, taxa de desemprego, impostos e microeconômicas abordando a análise, segmentação de mercado, perfis de consumo, oferta, entre outros pontos, que são fundamentais nas avaliações e análises de Revenue Management. 

Aliás, este ponto de dívida pública é muito importante justamente porque é uma das maiores expectativas do mercado sob o novo governo, de buscar o controle e equilíbrio destas contas, juntamente com a aprovação da reforma da previdência. Dos países emergentes na América do Sul, a Venezuela lidera a lista de países com maior dívida pública, que por sua vez, hoje, não serve de parâmetro para nada em matéria de economia devido a sua atual situação, que tem por exemplo, altíssima inflação que ultrapassa 1.000.000% (um milhão por cento), que mesmo com a implantação da nova moeda no meio do ano passado não melhorou em nada o cenário econômico do país. Na lista em seguida, vem o Brasil, que ocupa a 2º posição.  

Talvez falar sobre a dimensão e o prazo em que os impactos aconteceriam não seja algo possível de se falar com precisão neste momento nem mesmo por economistas. Mas e o Brasil como fica nesta história? A princípio abre espaço para o país, se beneficiando das exportações de commodities para a China, que aumentariam devido a barreira comercial entre EUA e China, influenciando consequentemente de forma positiva em nosso PIB. Por outro lado, há temores pelos efeitos negativos, que traria desaceleração da economia global, afetando por exemplo, os investimentos estrangeiros, consumo e instabilidade cambial em diversos países.

Vivemos nos últimos três anos a recessão econômica que afetou o Brasil e com ela várias praças sentiram drasticamente a queda de demanda nos hotéis, e com isto, taxa de ocupação, diária média e RevPAR acabaram também sendo influenciadas de maneira negativa, uma vez que, empresas reduziram seu budget, diminuíram mínimo de noites no destino e a confiança no mercado caiu junto com o poder de consumo, por exemplo. 

Isto tudo mostra a importância de se desenvolver um olhar atento e analítico, capaz de conectar fatos, considera-los se forem coerentes e avaliar como e onde podem desencadear efeitos em nossos negócios, já que, planejamento estratégico, orçamento e pricing não dispensam quaisquer destes dados e análises. Afinal, a sua assertividade e a de sua equipe será crucial para se ter maior efetividade em tudo aquilo que foi pensado, discutido, planejado e executado. 

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Felipe Touro é gerente Corporativo de Receitas na Hotelaria Brasil. Formado em Administração Hoteleira pelo Centro Universitário Senac e pós-graduando em Marketing e Gestão Comercial pela Business School São Paulo, tem passagens por grandes empresas do trade hoteleiro e do segmento de T.I como Singulare Consultoria, Atlantica Hotels, Blue Tree Hotels, Pestana Hotel Group, PMWEB e Grupo Conectt nas áreas de marketing, vendas e revenue management.

(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Felipe Touro