César Nunes está há seis anos à frente da equipe Comercial do grupo Royal Palm Hotels & Resorts
(foto: Filip Calixto)

A carreira no mercado de hotelaria, mais especificamente na área de vendas, foi conquista de insistência e perseverança para César Nunes. Diretor Comercial numa casa onde está há seis anos, o grupo Royal Palm Hotels & Resorts, o mineiro de Diamantina escreveu os primeiros passos de sua trajetória em correspondências enviadas pelo correio. À época funcionário da Associação Comercial de sua cidade, descobriu um curso de hotelaria na então distante Curitiba e a obtenção da almejada bolsa de estudos teve as cartas como senha. 

"Procurando na internet, achei um curso de Hotelaria, em Curitiba. No Centro Europeu. Nunca tinha saído de Minas e aí mandei uma carta pedindo informações. Responderam com um descritivo mas era muito caro para minha realidade, não tinha como pagar. Pensei: 'quer saber? Vou pedir uma bolsa e me oferecer para trabalhar para eles'. Fiquei dois dias montando cartas na máquina de escrever até ter um texto que julgava me dar chances. Mandei. Uma semana depois, me ligam da escola oferecendo o curso perante a três horas diárias trabalhadas para eles. Fiz a logística dos horários para arrumar outro emprego e fui", recorda o executivo que, à essa altura, já tinha cursado Turismo por influência do pai, que via no nicho a "profissão do futuro".

Na capital paranaense, o outro emprego citado estava ligado a um costume gastronômico da região, o porco no rolete, que além de render um salário por dia trabalhado garantia a economia com os custos de refeição.

Com o passar do tempo, Nunes foi convidado a trabalhar de maneira fixa no hotel do centro universitário e abriu as portas para seu desenvolvimento. Por meio de um projeto de encaminhamento da escola veio parar no Renaissance, em São Paulo, e ali conheceu o ritmo e as nuances da divisão de vendas dentro do mercado de hospitalidade. "Para mim foi uma ótima escola. Entrei, passei pelos departamentos e depois fui convidado a fazer um programa de treinee em Marketing e Vendas. Foram seis meses em departamentos correlatos a essa área. Acabei não ficando e saí meio frustrado".

Buscando outras oportunidades e recém-formado, na sequência passou por experiências em vendas de programas timeshare e para um projeto de cartões que compilavam descontos em hotéis cadastrados pelo Brasil. "Quando estive nessa empresa exerci uma função que gosto muito até hoje: a montagem de planejamento", afirma. "Não tinha carro e fiquei de fazer toda a região Sul do País. Desci em Curitiba e anotei todas as rotas de ônibus que saíam de lá para cidades que eu precisava ir. Fiz algumas rotas contando preço e horários e de onde esses ônibus saíam e para onde iam. Em deslocamentos longos fazia a noite porque economizava dinheiro da hospedagem", prossegue.

Entusiasta da rotina de vendas e ambicionando voltar ao mercado que o formou, procurava fazer seu trabalho de maneira notável. Numa dessas coincidências pouco explicáveis, Nunes recebeu convite para representar uma pequena rede comercialmente e conversando com a diretora da empresa descobriu um parentesco e a retomada para a estrada que trilha até hoje.

Da rede Grand Ville transferiu-se para a Atlantica Hotels onde teve seu trabalho destacado, passando por diferentes empreendimentos, e participando de um processo crucial de desenvolvimento da rede. Em 2005 foi para a rede Pestana e desempenhou a função de gerente geral de Vendas para a América do Sul. "Foi uma excelente experiência na qual consegui alinhar as práticas de vendas e conseguimos bons resultados", lembra. 

"Nessa época pulei o lado do balcão e fui trabalhar na Trend. Foi interessante para conhecer uma operadora, não sabia nada do distribuidor. Para minha evolução profissional foi fantástico", diz. Apesar de enriquecedora, a passagem pela Trend durou apenas um ano e na sequência, chegou ao grupo Royal Palm.

Carregando essa bagagem, Nunes, fã de motocicletas e do Clube Atlético Mineiro, falou à reportagem e pontuou alguns assuntos com os quais convive em seu cotidiano de vendas numa rede consolidada que começa dar os primeiros passos fora do mercado que a consagrou.

Antes fã da advocacia feita nos tribunais, Nunes acabou entrando no caminho das vendas
(foto: divulgação/Cris Brito)

Adaptação a diferentes casas e períodos

Isso é bem particular. Primeiro, na época da Atlantica, era muito mercado corporativo. Quando fui para o Pestana tive uma grande escola com a unidade do Rio, que é um produto localizado numa cidade que atende todos os segmentos – lazer, eventos, mice. Isso foi muito bom porque pude conhecer um lado do negócio que não conhecia.



O fato de passar pela Trend também me ajudou demais. Na Royal Palm mesmo, temos muitos eventos e foi aqui que aprendi a dinâmica desse segmento.

Desafios e superação na trajetória
O maior desafio foi a Trend. Principalmente porque entrei numa função que até então não existia. Não tinha ninguém antes naquela cadeira e vinha de um segmento no qual eu era fornecedor. 

É muito diferente da hotelaria porque nos hotéis medimos o futuro próximo. Operador mede o timing da venda. O que interessa é o que vendi hoje. Isso foi muito bom porque tirei uma lição que aplico até hoje para medir a performance da minha equipe.

Foi mais difícil mas bom para meu crescimento. Mudou muito meu jeito de trabalhar pois me preocupo mais com produtividade, com tornar o tempo do comercial mais produtivo. Produzir mais em menos tempo. A operadora ensina também o processo da venda e medir o tamanho do esforço. Agora, na Royal Palm, existe muito da venda consultiva, mudando a forma de venda de acordo com o evento que o cliente pede e precisa. 

Mudanças econômicas interferindo em vendas e na rotina

Hoje o cliente não se apressa para confirmar e também tem muito poder de barganha. Na situação atual, a maior dificuldade é, no meio de uma negociação, ter que assumir algum risco porque esse cliente quer prazos muito curtos. O que a economia mudou na venda foi isso.  Mas o que mudou muito na hotelaria geral é que as pessoas tem menos tempo. As férias são mais curtas e isso muda a dinâmica dos períodos.



Elas têm menos tempo no dia a dia também. O acesso às pessoas, independente de mercado, mudou. Você até consegue achar melhor as pessoas mas elas têm menos tempo. Do mesmo jeito que nós pesquisamos o cliente, o comprador também faz isso com você, então é um equilíbrio de forças.

Como montar a equipe
O principal é como orquestrar a equipe e o desafio maior é treinar. Quando temos que contratar algum profissional busco mais analisar o comportamento e as atitudes do que se ele já trabalhou com isso e se tem uma carteira de peso. É comportamental e ser bom de número. O profissional de vendas tem que ser mais completo, conhecer mais áreas, saber conversar sobre assuntos diversos – porque isso te dá aproximação.

Como conseguir eficiência da equipe
Acredito que autonomia é algo que se dá em doses. Por dois motivos: para conhecer e treinar. Também é preciso ter uma política comercial bem definida e estruturada. 

Outra coisa interessante que vejo é não ter tanta hierarquia comercial. O cliente não tem tempo de subir todos esses degraus. O ideal é criar uma política e deixa uma margem para esse vendedor navegar.

A tecnologia mudou o jeito de fazer esse trabalho

Modificou a quantidade de informações. Há um grande volume de dados que estão na internet, nos sistemas, nas ferramentas. Mas o recorte disso é o que vale e quais dados tratar. Qual informação vai ler em meio a tantas? Tem que definir onde ler e quando. Definir e não se perder se não o tempo te consome.

César Nunes, diretor comercial da Royal Palm Hotels"Hotel tem estoque perecível e não fecha. Virou a noite, perdeu"
(foto: Peter Kutuchian)
 

Decisões. Com que bases tomá-las?
O primeiro critério para tomar decisão é: você faria isso se fosse o proprietário? Quando vai doutrinar sua equipe, o melhor negócio é aquele que será melhor aos olhos do investidor. Assim você já cria uma doutrina de resultados. É a famosa dor de dono, na prática.

O desafio não é só vender. É vender com rentabilidade. Buscar o resultado que o investidor espera, que os acionistas têm como expectativa, tudo isso com bom serviço.

Início em hotel corporativo e convivendo com lazer e eventos

Já quase metade da minha carreira está dentro dessa estrutura [da Royal Palm] então já parece um pouco. Acho que o principal é dar ritmo para sua equipe dentro disso, independente de qual seja o perfil do hotel. Agora, você precisa, antes de tudo, conhecer bem o produto.



Vendedor sem passado

Vendedor não tem passado. E no nosso negócio tem uma característica bem particular: o que você vendeu hoje não te garante nada. É diferente de um vendedor de cadeira, por exemplo, que se tiver um trimestre ruim pode recuperar-se em outro. Aqui não dá para fazer isso. Hotel tem estoque perecível e não fecha. Virou a noite, perdeu. 

Referências na carreira
Tive ótimas referências. Antônio Dias (diretor executivo da Royal Palm), que entende muito de hotelaria, é um hoteleiro por natureza e tem um instinto de engenharia fantástico. Com uma visão de obra que até parece ter se formado em Engenharia. No ponto de vista de vendas tive a oportunidade de trabalhar com o Luis Paulo Luppa (presidente do Grupo Trend), que foi uma pessoa muito forte para mim, que gosta de vendas, respira vendas. Quando penso em hotelaria como negócio tenho o Roberto Rotter (atual diretor executivo da rede Plaza de Hotéis), que é um profissional fantástico, muito objetivo e conhece do negócio como ninguém. E tive a oportunidade, no começo da carreira, de trabalhar com o Christer Holtze (vice-presidente sênior de Operações da Atlantica Hotels), pra mim um dos melhores hoteleiros que conheci.

Interferência da academia no cotidiano atual
Ajuda muito. Esse último que eu fiz, de Estratégia em Vendas, me deu a oportunidade de viver e conversar com outros gestores comerciais de outros segmentos. Me ensinou a olhar a venda como um todo e tirar dos outros segmentos o que dava para ser aplicado.

Tive a chance de enxergar o negócio como um todo, com gerentes, investidores, pessoas que podem ajudar a observar a hotelaria como negócio. Analisar margens, rentabilidade, geração de caixa, tudo que envolve o negócio hoteleiro em si. Infelizmente, o hoteleiro em excesso (que se preocupa em demasia em agragar todo tipo de serviço para o hóspede, olha demais para a operação) tende a gostar muito do glamour da área mas não olha o resultado. E não se pode viver sem o resultado. Para ser sustentável para o negócio precisa continuar olhando para a rentabilidade. 

Distante da operação; é perigoso afastar-se da realidade de um hotel?
Muito. Tanto no operacional como no comercial, o tempo preso no escritório é muito perigoso. No operacional não acredito em gerente que não caminhe pelo hotel, não o sinta, não vistoria, converse. Não adianta ficar trancado na sua sala. Tem muito gerente de cadeira, que fica olhando para os resultados e só. Não é o ideal pois você tem muito funcionário e se eles não te sentirem engajado, como vão comprar tua causa?

No comercial isso é mais perigoso ainda. Virar aquele gestor que gerencia pelo computador. Não vê a equipe, não sente o pulso do cliente. A cadeira é um conforto perigoso.

Atualizado sobre o que vende

Atualizado sobre os hotéis que vendo, sim. Atualizado sobre o mercado quase nunca você está. Hoje em dia com essa multidão de informações e com a velocidade delas, precisa ter sempre novas informações, atualização na rede de network.  As mudanças são muito rápidas. Se alguém falar que domina o mercado está mentindo porque ele é muito volátil, rápido. Então novos produtos, tecnologias, aparecem tudo muito rápido. Tem coisas as quais você precisa estar antenado.

Nunes também é vice-presidente de Marketing & Distribuição do Fohb
(foto: divulgação/Guanabara Agência de Comunicação)

Relevância do revenue management
Não dá para viver sem. Mas precisa melhorar em alguns pontos. Hoje você tem bons profissionais na precificação de apartamento. Mas há pouco desenvolvido quando falamos em eventos, sendo que tem hotéis que mostram equilíbrio total entre hospedagem e eventos. O RM foi muito bem desenvolvido para apartamentos mas sala tem jeito diferente de trabalhar. Acho que a receita de locação muito rentável porque traz pouco custo. Ela podia ser cobrada melhor exatamente por isso. 

Royal Palm
Inauguramos um hotel em Indaiatuba, primeira experiência em empreendimento administrado. Depois há o projeto do complexo de convenções com mais dois hotéis – que abrem em 2018. Aí também são hotéis administrados mas com um grande centro de convenções nosso. E há o projeto de resort na Riviera de São Lourenço, que fica para o período entre final de 2020 e começo de 2021.

Isso tudo que estamos falando são resultados de projetos que começaram há aproximadamente quatro anos atrás. Com a entrega desses projetos começamos a planejar o que vem nos cinco próximos anos.

Participação do departamento de Vendas no desenvolvimento da rede
Cada hotel demanda uma mudança, tanto estrutural como da equipe num todo. Por exemplo, para vender a unidade de Indaiatuba não alteramos praticamente nada do que fazemos, porque é um hotel parecido com os que já temos e está numa região primária, bem próxima dos outros. Já cobríamos essa região.

Para o hotel de Riviera de São Lourenço vamos ter que buscar mais volume de negócios. Para o centro de convenções, começamos a nos preparar com algumas contratações que nos fazem penetrar em segmentos que atuávamos pouco, como os congressos médicos. A estratégia tem que ser moldada de acordo com o perfil do produto. 

Atuação no Fohb (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil)
Estou na vice-presidência de Marketing e Distribuição. Ali os principais desafios são conseguir uma comunicação mais clara com o mercado. Um bom exemplo é a história da Decolar.com, na qual não apoiamos o  boicote ou dizendo que íamos fazê-lo. Nos reunimos, conversamos, e seguimos a relação sem que houvesse estresse entre as partes. Isso, para mim, é um forte ganho.

Também incentivamos muito a troca de boas práticas. Iremos lançar um grupo de Marketing que visa abordar essa questão e também o relacionamento com as mídias sociais. 

Entidade como geradora de informações para o setor
Esse é um dos papéis e tende a crescer. O Fohb está começando alguns estudos de ofertas futuras para ajudar a entender o comportamento de mercado de alguns destinos. Levantando onde haverá aberturas para não criar superofertas. A ideia é evitar essas situações. São facetas que estamos procurando, cada vez mais, aperfeiçoar. 

Contato
[email protected]