CENTENÁRIO: Chieko Aoki: “O bom serviço vem da alma”
30 de junho de 2008
Só com esta cena inicial já dá para concluir algumas coisas. Chieko Aoki, presidente da Blue Tree Hotels, rede batizada com seu sobrenome traduzido do japonês para o inglês, é exigente. Não é à toa que ela chegou ao sucesso. Prestes a completar 60 anos, a executiva está à frente de um grupo de 24 hotéis espalhados por 17 destinos no Brasil e na Argentina, que somam cerca de 5 mil apartamentos e uma equipe de 2 mil pessoas.
Seu pulso firme tem um propósito: conseguir tirar o melhor de seus colaboradores. Ela afirma que às vezes é chata, mas sabe o limite. Impecável e vaidosa, a executiva pode ser vista de tênis e moleton comprando flores pelo Ceasa, bem cedinho de manhã. Confira a conversa que tivemos com a senhora Aoki, uma imigrante de alma japonesa e coração brasileiro.
Hôtelier News: O que de japonês podemos encontrar nos hotéis Blue Tree?
Chieko Aoki: A rede Blue Tree tem essencialmente duas coisas nipônicas. Na administração, alguns processos são japoneses. O sistema de gestão de resultados, com controles precisos, nasceu no Japão e posteriormente foi adotado nos Estados Unidos e, ainda mais tarde, no Brasil. Isso é trabalhado muito fortemente na rede. Adotamos o estilo japonês ringsho, o chamado sistema de aprovação e decisão.
Os nossos serviços também têm influência muito forte da cultura japonesa. O padrão do país asiático é muito alto e tentamos adotá-lo nos hotéis.
HN: E como é possível conseguir um alto padrão de atendimento?
Chieko: Para ter alta qualidade, não se pode fazer nada por obrigação ou por procedimento. É preciso fazer com prazer, colocando a alma. A pessoa tem que querer servir bem, e isso ninguém nasce sabendo, requer muito treinamento. Nós exigimos, induzimos que seja assim, que a pessoa não consiga fazer de outra forma, não saiba fazer de maneira que não seja com o coração. Se você faz com prazer, vai saber solucionar, vai saber resolver se o hóspede ou o cliente aparecer com algum problema. Isso de querer resolver a qualquer custo é muito oriental. O bom serviço vem da alma e esse é um conceito milenar.
HN: Como mostra isso para os colaboradores?
Chieko: Tenho alguns princípios. A equipe é reflexo do líder. A Blue Tree tem uma filosofia e eu sou a primeira a segui-la. É algo que sinto verdadeiramente que está no caminho certo e quero que seja dessa forma. Sua equipe vai te ver como exemplo. Não há diferença entre a minha atitude em casa ou nos negócios. Ela reflete o que eu peço e o que eu exijo da equipe. Dessa maneira, posso dizer: “Se eu faço, vocês também têm que fazer”.
HN: Quais são suas virtudes e seus defeitos?
Chieko: De todo lugar. Estou sempre tentando aperfeiçoar os serviços. O que fazemos na Blue Tree está de acordo com o estilo de vida das pessoas naquele contexto, naquele tempo.
Slama, da Rosa Chá, Oskar Metsavath,
da Osklen, Kátia Grubisich, da Emporium K,
e o estilista japonês Kenzo Takada
HN: Quais são os serviços oferecidos para o público japonês nos hotéis da Blue Tree?
Chieko: Oferecemos chá verde nos apartamentos, frutas que lhes apeteçam, cup noodles, café da manhã japonês, o canal NHK, Word em japonês no business center e colaboradores que falem o idioma, desde a telefonia até a recepção… Mas não basta só falar japonês, é mais do que isso. É ter a atitude. O domínio da língua deve estar atrelado a um serviço na sua melhor forma. Deve ser o idioma correto, polido, com a atitude certa. Procuramos oferecer um nível de serviço em que o hóspede não vai sentir o mínimo de dificuldade por não dominar o português. As unidades da Paulista, da Faria Lima e do Morumbi são as que mais recebem esse público.
HN: A senhora nasceu no Japão e veio com quantos anos para o Brasil?
Chieko: Quando minha família veio, eu tinha oito anos. Viajamos a convite de uma tia que tinha fazendas. Meu pai, que era técnico em Eletrônica, não queria morar no interior, então logo nos mudamos para a cidade. Meus pais vieram para ficar, por isso sempre estudei em colégios públicos brasileiros. Não tive dificuldade para me adaptar ao país.
HN: E como começou na hotelaria? De onde vem seu conhecimento hoteleiro?
Eu viajei muito pelo mundo, conheci os melhores meios de hospedagem do Japão, muitos da Europa e dos Estados Unidos. Tudo isso me deu oportunidade de comparar diferentes estilos de administração, os pontos fortes de uma hotelaria para outra. O ruim é ficar preso a uma só visão. Por isso, procurei consolidar o melhor que vi num modelo de hotelaria diferenciado. Só acredito naquilo que é muito bom. Afinal, só o que é bom dura. Hotéis mais ou menos acabam sendo muito ruins. É preciso cuidar bem, porque os melhores do mundo, sem a devida maneira de administrar, caem.
Outra coisa importante é a humildade. Não é difícil ver gente que se torna arrogante porque está trabalhando em um hotel de ponta. Acredito que, quanto mais o empreendimento fica importante, mais humildade a pessoa tem que ter para agradecer aos hóspedes e continuar crescendo.
Claro que serviço é muito importante, mas não é só nisso que eu foco. Observo sempre que tipo de hotel é mais rentável, onde devo investir para aumentar o faturamento, no que uma unidade pode ser melhor do que um cinco estrelas, o que é ou não possível.
Além disso, é preciso continuar a observar o mundo. Em que os melhores hotéis estão mudando? Que tipo de alteração na administração realizam? E também o comportamento das pessoas, a influência da internet… Hoje, os jovens são mais espertos, começam a viajar mais cedo. A qualidade e a expectativa de vida aumentaram, então os idosos estão viajando mais. São dois tipos de hóspede que não representavam tanto há algum tempo e que atualmente são fundamentais.
HN: A Blue Tree está em qual categoria da hotelaria: européia, americana ou japonesa?
Chieko: A Blue Tree Hotels tem serviço japonês, administração padronizada americana e alma brasileira. O brasileiro é flexível, prestativo, afável, quer sempre ajudar. São qualificações importantes que nem todo mundo tem.
O cliente sente quando algo é feito com prazer e é importante demonstrar isso da maneira certa. O japonês é mais fechado, o brasileiro é mais alegre, tento trazer as qualidades de ambos para a Blue Tree. Num mundo globalizado, devemos nos enriquecer com tanta diversidade. É preciso abrir a cabeça porque todo aprendizado pode ser incorporado se houver pré-disposição. Nada é impossível. Nesse sentido eu sou muito flexível.
HN: E como a senhora vê o papel da mulher? O que ela tem de diferente do homem na hospitalidade? Houve preconceito quando começou a gerenciar?
Chieko: A mulher tem uma percepção diferente do homem. As mulheres no geral são mais esforçadas. No Japão, a presença da mãe é essencial para a formação e manutenção do lar. Hoje as coisas mudaram um pouco, e o sexo feminino está em cargos de todos os níveis, nas diferentes áreas.
HN: E aposentadoria, é algo que a senhora cogita?
Antigamente eu falava e passava o trator. Hoje estou mais cautelosa. Além disso, tem muita coisa que ainda quero fazer. Gosto de karaokê, quero fazer aula de dança, adoro livraria e assistir filmes. Mas não tenho paciência para ir ao shopping e detesto experimentar roupa. Muitas vezes vejo algo que me agrada e compro, aí vou usar e não serve, fica grande. Gosto de ir ao supermercado, mas sempre acabo comprando mais do que preciso, sou gulosa. Adoro ir ao Ceasa de manhã cedo comprar flores, e ninguém me reconhece: vou de tênis e moleton.
Agenda ocupada
Conseguir uma brecha com a senhora Chieko Aoki em mês de centenário da imigração japonesa não é tarefa das mais fáceis. No nosso primeiro encontro, não pudemos conversar muito. Era o primeiro dia do Simpósio Brasil-Japão, uma das ações realizadas no Anhembi em comemoração ao centenário da imigração japonesa no Brasil. Na sala vip, de convidados do evento, comecei a entrevista, mas foi impossível passar da segunda pergunta. Cada um que chegava vinha trocar algumas palavras com ela.
Depois foi a hora da palestra do ex-ministro da Economia do Japão, Heizo Takenaka. “Olha, essa palestra vai ser muito boa. Por que você não assiste?”, ela me perguntou. De caneta e bloquinho na mão, começou a anotar tudo, sem auxílio de tradutor simultâneo.