Ana Rita Cohen

O meu artigo anterior – Hotéis e o desperdício de alimentos –, trouxe um pouco do bate-papo com Dan Ruben, diretor executivo da plataforma ‘Boston Green Tourism’ e autor do livro “How to Green Your Hotel” – em breve no mercado. É sempre bom poder compartilhar experiências, enquanto incentivando mais soluções.

Embora visto como uma condição grave, posso afirmar que o problema do desperdício de comida tem cura. Sim, pode ser solucionado, haja visto ótimos exemplos na atualidade, mostrando que é possível criar uma nova estrutura comercial, econômica e tecnológica, realçando benefícios financeiros e ambientais. Se o causamos, podemos também des-causá-lo.

Pois é, há soluções, e algumas delas são, até mesmo simples. No entanto, para sairmos desse impasse, é preciso considerar que, a crise que vivemos na realidade, é uma crise de percepção. Se analisado sob o ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções sustentáveis. Isso significa que, para entendermos a questão do desperdício do nosso alimento, não podemos pensá-lo isoladamente, mas considera-lo como parte de algo maior. Podemos começar repensando o caminho dos alimentos – do solo ao prato, a partir das organizações e instituições, implementando novos programas que fazem sentido, enquanto deletando (de vez) os obsoletos.

De acordo com Dan, as estratégias de gerenciamento de resíduos orgânicos podem ser divididas em 3 categorias: prevenção, reutilização e reciclagem/compostagem. Já falamos sobre prevenção no artigo anterior; agora seguimos com os 2 outros temas. Veja que interessante o primeiro exemplo que Dan nos traz:

Doar é um ato humano e legal aos olhos da lei…

Dan: “Hotéis podem doar alimentos não consumidos, em vez de destina-los à compostagem, aterros sanitários ou incineradores, da mesma forma que bancos de alimentos e abrigos (como em igrejas e associações) direcionam os alimentos que são doados, para a população necessitada. Funcionários de um hotel, certamente gostam de ter acesso à uma alimentação boa e de alta qualidade que é servida no hotel. Nos Estados Unidos, os que se prontificam a doar alimentos são protegidos pela lei 'Emerson Good Samaritan Food Donation' (lei Bom Samaritano Emerson- de doação de alimentos), instituída em 1996. Desde que esta lei foi promulgada, nunca houve sequer uma única multa contra algum doador”.

Dan: “óleo usado pode ser filtrado e reutilizado, assim diminuindo a compra desse produto pela metade, além de reduzir o desperdício. Quando o óleo não puder mais ser utilizado, poderá se tornar uma valiosa ‘commodity’. Muitas empresas usam o óleo usado para produzir eletricidade, ou transformá-lo em biocombustível, ração animal ou ainda cosméticos”. 
Apesar de compreender a diversidade de uso do óleo usado, pessoalmente tenho algumas ressalvas quanto ao prolongado reuso do óleo, por questões de saúde. Muitos restaurantes insistem no reuso prolongado, mesmo sendo altamente prejudicial. É preciso ter supervisão adequada neste sentido. Sugiro inclusive que, toda equipe de restaurante, deveria fazer uma visita a uma empresa de reciclagem de óleo; pois vale a pena aprender sobre todo o processo de reciclagem e destino. 

No Brasil, o óleo de cozinha tem sido usado para produzir biodiesel, produção de ração animal, cosméticos e, para fazer sabão. A produção de biodiesel está crescendo, já que polui menos que o diesel comum, enquanto que fazer sabão, também vem ganhando força entre algumas comunidades.

Sobre Compostagem

Dan: “Ao invés de simplesmente destiná-los a aterros sanitários e incineradores, atualmente hotéis possuem múltiplas alternativas para seus resíduos orgânicos. Usinas de compostagem estão transformando esses resíduos em valioso fertilizante para o solo”. 

“Usinas de compostagem de digestão anaeróbica, usam microrganismos para fazer a quebra de material biodegradável por causa da ausência de oxigênio. Produzem biogás e fertilizante.  O biogás é utilizado para gerar eletricidade, calor ou como combustível para transportes. Biogás é considerado combustível renovável, e isto deve-se ao fato de que os alimentos de origem vegetal (que inevitavelmente terminam em usinas de compostagem anaeróbicas) conseguem remover, na medida do possível, o gás carbônico da atmosfera.

“Fazendas de criação suína também utilizam restos de alimentos, reduzindo assim o investimento na alimentação dos animais.
Alguns hotéis compostam seus resíduos orgânicos ‘in loco’, seja através de composterias elétricas, biodigestores, ou utilizando métodos direto no próprio terreno. Composteiras desidratadoras trituram restos de comida, utilizando o calor que ali é produzido, para extrair o líquido dos alimentos, assim reduzindo o volume em até 90%. O subproduto pode ser utilizado como fertilizante, ou enviado para alguma usina de compostagem de digestão anaeróbica. 

Biodigestores reduzem o volume de comida (de uma empresa, por exemplo), através do sistema de drenagem. Transformam os resíduos orgânicos em efluente por trituração, agentes biológicos, agitação mecânica e a continua injeção de água, a fim de produzir um subproduto em forma líquida que será descartado diretamente no ralo, ou no esgoto; apesar de que algumas companhias de tratamento de esgoto, não aceitam o sistema de biodigestores”.

No final de nossa conversa perguntei ao Dan: que tipo de soluções podemos esperar do setor de hospitalidade, num futuro próximo, diante das questões relacionadas ao desperdício?

Dan: “acredito que hotéis e outros tipos de empreendimentos e instituições irão aperfeiçoar suas gestões na questão do desperdício, como resultado de pressão e incentivos.
Leis ambientais proibindo empresas enviarem seus resíduos para os aterros sanitários e incineradores irão proliferar, pois restos de comida nos aterros emitem gás metano, e queima-los em incineradores promove a emissão de carbono. Também devemos considerar que espaço para lixões e aterros sanitários estão, cada vez mais, ficando escassos”.    

“Hotéis já reconhecem que podem economizar e muito, e esta mentalidade está crescendo. Se gerenciarem melhor o seu ‘food service’ desde a compra; e souberem prevenir e reutilizar o desperdício de comida durante todo o processo na cozinha, será um ganha-ganha para todos. Taxas de coleta de lixo cairão…E, vamos lembrar que muitas equipes de cozinha de hotéis se sentem bem ao saber que, pratos preparados por eles estão sendo destinados a pessoas necessitadas, em vez de descartados no lixo”.  

Muito obrigada, Dan Ruben, pela sua incrível colaboração!

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Ana Rita Cohen começou sua vida profissional em Nova York, onde trabalhou, estudou, e iniciou sua família. Como primeira formação, participou de projetos do meio artístico em SP e NY. Trabalhou na The Asia Society (filiada à Rockfeller Foundation, NY) onde se apaixonou pela arte e beleza do alimento; pela sábia gastronomia da cultura asiática. Decidiu investigar a gastronomia, entrando para a A Peter Kump’s Cooking School – hoje Institute of Culinary Arts -, seguida pela The Natural Gourmet Institute for Food & Health, cuja filosofia e conceito de saúde contribui bastante em seu caminho. Dalí veio a formação em Medicina Chinesa. Mais tarde, de volta ao Brasil, criou a Bread, Food & Goodtime em Florianópolis, com cursos livres. Ao mesmo tempo entrou para mentoria e assessoria em restaurantes. Em 2012 cursou Nutrição a base de plantas no Nutrition Studies Center, com o Dr. Thomas Campbell. Em 2014 participou do curso The Age of Sustainable Development com Jeffrey Sachs, na universidade de Columbia, NY, e saúde pública com a John Hopkins B.School of Public Health, entre outros.

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