Ana Rita Cohen

No dia 13 de setembro de 2018, no encontro Climate Summit, realizado em São Francisco, na Califórnia, foi lançada a declaração C40, que contou com a colaboração de 23 cidades ao redor do mundo, incluindo Nova York, São Francisco, Londres, Paris, Dubai, Auckland, Catalonia, Copenhagen, Montreal, Rotterdam, Sydney, Tel Aviv, Tokyo, Toronto, Vancouver, Washington DC dentre outras, para assinar a declaração “Avançando Rumo ao Lixo Zero”. As cidades participantes do encontro, se comprometeram a: 1) reduzir a geração municipal de seus resíduos sólidos (e per capita), para ao menos 15% até 2030; 2) reduzir em até 50%, a geração dos resíduos sólidos desviados aos aterros sanitários e à incineração, até 2030. 

“O movimento sinaliza que, cidades por todo o mundo, estão despertando para os perigos de práticas como a da incineração e uso de aterros sanitários que não suportam mais lixo, e tomando providências concretas para reduzi-lo”, comentou Christie Keith, diretora executiva do programa GAIA (Global Alliance for Incinerator Alternatives). 

Não por acaso, outra iniciativa muito bacana aconteceu no dia 15 de setembro: o dia mundial da limpeza (World Cleanup Day) que envolveu 150 países, 5% da população mundial, e milhares de voluntários por uma mesma: provar que somos capazes de viver num mundo waste-free, ou seja, lixo zero. O Dia Mundial de Limpeza é uma ação que visa promover a mobilização de voluntários para a limpeza de suas cidades, bairros, praias, praças e parques. A ação simboliza a necessidade de conscientização da sociedade para um problema maior do descarte irregular de resíduos sólidos urbanos.

Ora, a redução e o descarte adequado do lixo, são algumas das metas para alcançar o desenvolvimento sustentável. Estão relacionados às mudanças climáticas, pois a geração de resíduos está diretamente ligada à extração de recursos naturais, transporte, processamento e produção. Estudos mostram que a redução de resíduos sólidos, assim como a prática de destinar corretamente resíduos limpos à reciclagem, podem levar à redução de até 20% da emissão de gases poluentes em nosso planeta. Estes fatos somente enfatizam a gravidade deste problema global. 

À vista disso, precisamos fazer a nossa parte como cidadãos buscando soluções viáveis. É uma questão de ética, de cidadania, de bem-estar humano. Por exemplo, somente 3% dos resíduos gerados no Brasil são reciclados; mais de 50% das cidades brasileiras fazem o descarte em lixões. Trata-se de um problema cultural, econômico, socioambiental e ético. “Os lixões ficam bem longe para que fiquem invisíveis. De alguma forma, todos nós somos culpados e coniventes”, diz Fernando Beltrame, consultor ambiental. Temos no Brasil mais de 1.200 lixões ativos, o que significa quase o dobro do número de aterros sanitários. 

Somos co-responsáveis 

Considero o conceito de Sustentabilidade como uma estrela que abrange cinco pilares e não três. São eles: social, econômico, cultural, ambiental e holístico. O lixo é nosso problema; portanto juntos precisamos resolvê-lo. Mais ainda, quando entendemos o papel de grandes geradores em nossa sociedade, podemos começar a pensar melhor nas soluções.

Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – (Lei nº 12.305/10), são considerados grandes geradores, aqueles que produzem diariamente, em média, mais de 120 litros de lixo não reciclável (exemplo: fralda descartável, absorvente íntimo, peças de louça, luvas látex, papel higiênico, fotos, espelho quebrado, fitas adesivas, durex…), tanto por condomínios comerciais e mistos (empresariais e residenciais), como por estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. Enquanto estabelecimentos comerciais, restaurantes (de vários portes), estão na lista dos grandes geradores, especialmente porque trabalham com alimentos. O volume gerado, entre os resíduos secos (embalagens recicláveis e não recicláveis) e resíduos orgânicos (resto de alimentos), dentro do setor de serviço à alimentação, realmente merece atenção.

Agora veja: a Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo), nos mostra que o setor de bares e restaurantes é a única atividade que existe em todas as cidades do Brasil, inclusive em vilarejos. Que, o setor é composto por mais de um milhão de empresas (bares, restaurantes e similares), dois milhões de pequenos empresários, empregando mais de seis milhões de trabalhadores; é a mais procurada e bem avaliada atração turística das grandes cidades, prestando serviço a mais de cem milhões de brasileiros, enquanto gerando 2,8 % do PIB.  Nos mostra também que São Paulo é, a segunda maior cidade em números de restaurantes do mundo, perdendo somente para Nova York. No estado de São Paulo funcionam aproximadamente 200 mil bares, restaurantes e similares. Além disso, esse setor é o maior gerador de empregos na capital paulista. 

Refletindo sobre esses dados, e na minha experiência, um dos grandes desafios a ser trabalhado no setor de serviço à alimentação, é (ainda) a questão do desperdício de alimentos: excesso na compra, cardápio não consciente, sobras que ficam na geladeira, durante o processo de higienização, na produção de pratos, falta de aproveitamento integral (todas as partes). Estes são alguns dos itens que pesam muito no descarte, e que inevitavelmente, acabam no lixo. Cito um exemplo, de um restaurante dentro de uma empresa grande que, considerando 22 dias úteis no mês e servindo 1 mil refeições diariamente (para seus colaboradores), geram 3,97 toneladas de resíduos orgânicos, apenas no processo de higienização dos alimentos! Num estudo feito na empresa, foi apontada como a principal causa pelo alto número de geração de resíduos orgânicos, a falta do controle das matérias primas. Veja, quando olhamos para o volume estimado dos resíduos orgânicos gerados no Brasil, que aproximadamente correspondem a 55% de todo o lixo destinado aos lixões, fica claro que temos muito a fazer na busca por soluções. Também fica claro, que temos ferramentas para alcançar a solução…

Uma outra observação foi feita por Fonseca e Borges, autores do livro Lixo e Hospitalidade (2006), afirmando que, na hotelaria, os restaurantes são os grandes produtores de resíduos, visto que a produção daquilo que oferecem ao cliente envolve um alto nível de processamento da matéria prima, a qual na maioria das vezes chega ao local in natura e é destinada à preparação de receitas que demandam apenas parte de sua composição. Neste sentido, nota-se um gap de gestão (não consciente), por soluções de âmbito multidisciplinar, pensando em todas as dimensões da sustentabilidade.

Antes de tudo uma questão de responsabilidade social e saudabilidade

O bom é que, o próprio público, frequentador dos estabelecimentos de hospitalidade, como hotéis, bares e restaurantes, já vêm fazendo uma série de cobranças acerca das políticas de gestão ambiental dos estabelecimentos, o que se deve ao fato da maior acessibilidade à informação relacionada não somente ao meio ambiente e práticas de sustentabilidade, mas também à saúde.
Então, como equilibrar saúde, responsabilidade social e ambiental, rumo a meta lixo zero? Não existe outra fórmula, senão agregar valores universais, focando em um propósito, enquanto adotando soluções a médio e longo prazo. Somente assim organizaremos gestões inteligentes e conscientes, racionais e humanas e que contemplarão tais princípios dentro de qualquer setor. 
É o caso do descarte de resíduos orgânicos (sobras), citado anteriormente, gerados dia após dia em restaurantes de todo o país, e destinados aos aterros sanitários. A solução existe e deve ser pensada conjuntamente. Quando a mentalidade da redução do desperdício é implantada e assumida pela equipe, fica mais fácil entender o próximo passo do processo de redução de resíduos, destinando os restos do pós-refeição, à compostagem. A solução para a coleta desses resíduos nos estabelecimentos, ainda não foi solucionada pelas prefeituras, no entanto, temos disponíveis no mercado, várias empresas que oferecem este serviço com eficientes resultados, in loco. 

Todos comemos fora de casa. Consideremos por um momento que, o ato de comer é uma questão de saúde pública, cultural, holística, e de responsabilidade social. A origem de nossa comida então, não deveria por princípio, estar aliada às práticas sustentáveis para garantir a saudabilidade em nosso prato? A questão da agricultura limpa, orgânica, sustentável e, produtos artesanais, precisam ter mais destaque, enquanto características básicas de conceito de qualidade. Alimento puro, sem químicos = qualidade e saúde.
  
Outra adversidade no setor a ser considerada é relacionada as embalagens. Já sabemos que, quanto mais a granel, menor o volume de geração de embalagens. Embora alguns estabelecimentos já participem de um network de produção agroecológica, oferecendo mais alimentos de origem orgânica em seus cardápios, na maioria das vezes são entregues em embalagens de isopor, pecando para com as regras ambientais, e assim, gerando mais resíduos sólidos (em vez de reduzir). O que fazer então? Sugiro iniciar um trabalho mais forte e verdadeiro entre as partes: empresa, fornecedores e distribuidores. Explique sobre a sua postura e como deseja mudar; crie novos relacionamentos e amplie esta informação. Ajude-os a melhorar esta logística. Trata-se de um redirecionamento de nossos hábitos, seja como indivíduos ou como empresa. 

Da mesma forma, podemos refletir sobre outros produtos parte da maioria de restaurantes, como os canudos plásticos (tão comentados pela mídia), copinhos descartáveis, mexedores de café de plástico, sachês de sal e açúcar, mini embalagens de manteiga e cream cheese, dentre outras. Estas pequenas embalagens, como as de sal e açúcar, por exemplo, não são recicláveis e acabam indo para o lixo comum, além de custar para a empresa. As de manteiga, mel e cream cheese, seguem a mesma linha. Não seria mais viável cortar estes custos, trocando por outras soluções?

Um outro grande exemplo é o caso das garrafinhas de água que também podem ser substituídas por um sistema de filtração de água potável. Seja de ordem financeira (de médio e a longo prazo), de marketing inteligente, de liderança, trata-se de um statement, uma atitude consciente! Afinal, um restaurante se torna um formador de opiniões e um foco de admiração social, a partir do momento que agrega propósito. O papel do empreendedor eficiente, com visão, é ser a diferença. 

Não se trata de uma jornada fácil, e de resultados imediatos, e nem de mágica. Ao contrário, um restaurante que procura este caminho, deve se preparar para enfrentar muitos desafios, ter paciência, determinação, e acima de tudo, ter como meta, alcançar um diferencial para sua empresa e sociedade.  Dessa forma, dá para pensar em ser realmente sustentável. 

 

 

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Ana Rita Cohen começou sua vida profissional em Nova York, onde trabalhou, estudou, e iniciou sua família. Como primeira formação, participou de projetos do meio artístico em SP e NY. Trabalhou na The Asia Society (filiada à Rockfeller Foundation, NY) onde se apaixonou pela arte e beleza do alimento; pela sábia gastronomia da cultura asiática. Decidiu investigar a gastronomia, entrando para a A Peter Kump’s Cooking School – hoje Institute of Culinary Arts -, seguida pela The Natural Gourmet Institute for Food & Health, cuja filosofia e conceito de saúde contribui bastante em seu caminho. Dalí veio a formação em Medicina Chinesa. Mais tarde, de volta ao Brasil, criou a Bread, Food & Goodtime em Florianópolis, com cursos livres. Ao mesmo tempo entrou para mentoria e assessoria em restaurantes. Em 2012 cursou Nutrição a base de plantas no Nutrition Studies Center, com o Dr. Thomas Campbell. Em 2014 participou do curso The Age of Sustainable Development com Jeffrey Sachs, na universidade de Columbia, NY, e saúde pública com a John Hopkins B.School of Public Health, entre outros.

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