José Ruy Veloso Campos
(foto: divulgação/Camila Gutierrez)

Imagine que o prefeito da cidade paulista de Barretos baixe um decreto proibindo que os cidadãos de seu município aluguem suas casas, integral ou parcialmente, por mais de trinta dias. Como ficará a renda de grande parte da população daquela cidade no período da famosa Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos que acontece em agosto?

Pois foi o que fez a cidade de Hermosa Beach, Califórnia, tentando “combater” as atividades da Airbnb. Essa atitude da prefeitura local já rendeu duas ações judiciais movidas por donos de imóveis que alegam a violação de seus direitos. 

É no mínimo curioso o que vem acontecendo na tentativa de reprimir essa relação direta entre o dono da casa e o hóspede.

Essa repressão poderia ter como cenário uma vila dos puritanos no século 17 próxima à Baia de Massachusetts ou numa cidade recém-criada do Meio Oeste estadunidense do século 19. Mas não. Trata-se de uma realidade no Estado culturalmente mais avançado dos Estados Unidos. Claro, as cidades se organizaram ao longo do tempo e aprenderam a cobrar impostos pelos serviços remunerados que prestam os seus cidadãos, transformando-os em contribuintes. 

Numa perspectiva de roteiristas do cinema de ficção científica, as administrações das cidades mais modernas teriam olhos eletrônicos que, como insetos, vasculhariam as casas dos contribuintes para checar se eles têm ou não hóspedes pagantes. 

Agora, com a força da Internet (na beleza de seus 25 anos) quando esses mesmos cidadãos se dispõem a conseguir alguma receita extra, alugando parte de suas casas, o Estado, a Res Pública, trata de brigar por sua parte nesse suposto bolo. É a mão grande do Estado sobre os cidadãos. 

Parece fazer sentido.

Sim. Do jeito que o Estado se organizou, os prestadores de serviços têm que pagar diversas taxas e impostos. E os meios de hospedagem não estão fora disso. Como comentei nesse espaço em outra matéria, os hotéis pagam até para colocar em suas portas uma placa com seu nome.

Enquanto o Estado não abocanha o que supostamente lhe é devido, a fila anda.

A Airbnb divulgou na última semana de agosto que mais de 85 mil pessoas fizeram reservas pelo site da empresa no período da Olimpíada na cidade do Rio de Janeiro. E metade desse público era de brasileiros. A empresa informou ainda que o número de anúncios de acomodações no Rio “mais que dobrou” em relação ao mesmo período do ano passado: são 40 mil disponíveis para alugar.

As medidas contra a Airbnb têm crescido no mundo. 

Ainda na Califórnia, a cidade de Anaheim proibiu seus cidadãos de alugarem seus imóveis, total ou parcialmente, por poucos dias. O mesmo se deu em Berlim, Alemanha.

Já o Estado de Nova York aprovou em junho último uma legislação que deve complicar ainda mais para os proprietários que desejam alugar seus imóveis por curto prazo. Pela nova lei, proprietários, administradores de imóveis e outros usuários da Airbnb podem ser multados em até US$ 7,5 mil se publicarem anúncios usando o aplicativo Airbnb.

Essa medida de “Mão Grande do Estado” está encontrando uma dificuldade prosaica: nem a Airbnb e nem os seus concorrentes costumam publicar nos sites os endereços dos imóveis disponíveis. Isso resulta em grande dificuldade para a identificação dos supostos infratores e a aplicação da devida multa. Está aí outra boa solução para ser escrita por roteiristas do futuro.

Como nesse mundo virtual sempre cabe mais um, desde que criativo, surgiu em San Francisco a Host Compliance que ajuda os municípios a coibir os supostos abusos da Airbnb, excluíndo a oferta de imóveis/acomodações que vão contra a legislação. A empresa compila dados sobre a localização dos anúncios de aluguel em curto prazo e fornece relatórios às cidades que consideram que isso viola as leis locais. 

Para Ulrik Binzer, diretor-presidente da Host Compliance, o que sua empresa faz é “a transição da terra de ninguém para um negócio sustentável.” Binzer tem como clientes 15 governos que incluem também as conhecidas cidades de Vancouver, no Canadá e Napa, na Califórnia.

Na outra ponta desse processo o estadunidense David Shapiro criou em abril de 2014 a SubletAlert, cujo objetivo é ajudar os proprietários de imóveis a elaborar contratos de aluguel que impeçam os inquilinos de subalugar as acomodações sem prévia autorização.

Enquanto isso, fora da ficção científica, os hotéis seguem gerando empregos, consumindo inúmeros produtos e serviços, pagando inúmeros impostos e taxas e buscando e buscando e buscando hóspedes.

Fontes: (Laura Kusisto/WSJ e Luciana Magalhães/Valor)

* José Ruy Veloso Campos é mestre em Comunicação e Turismo pela ECA/USP, Especialista em Gestão Educacional pela UNICAMP, graduação em Letras pela Universidade S Francisco, Marketing Hoteleiro pelo Centro Internacional de Glion.

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