Formado pelo mercado financeiro, Paulo Salvador está na hotelaria desde 1998
(fotos: Filip Calixto)

Abril de 1998: a indústria de hotéis no Brasil, sobretudo a paulistana, vive sob ameaça real de superoferta. Setembro de 2008: segundo maior banco de investimentos dos Estados Unidos, o centenário Lehman Brothers declara concordata levando pânico e instabilidade a mercados de atividades variadas. Outubro de 2015: o popular governo do PT (Partido dos Trabalhadores) convive com dias de constestação como nunca sofreu antes na história deste País. Ocasiões pouco relacionadas, talvez desconexas. Contudo, cada um dá o significado que considera mais oportuno ao momento que acha conveniente, sobre a influência óbvia do momento que vive. Para Paulo Salvador, conhecido executivo no mundo hoteleiro, os três fatos acima estão intimamente ligados. Unidos pelo fio que costura sua trajetória profissional e o faz, a cada momento de incerteza, mergulhar num novo desafio profissional, reforçando sua filosofia de vida: insistir em navegar por águas turbulentas, sem ser seduzido pela falta de riscos das épocas amenas.

Jornalista de formação e surfista por ensejos, Salvador encontrou no mercado financeiro e no marketing – área da primeira especialização – sua seara de afirmação profissional. Trabalhou em instituições financeiras entre 1991 e 1996, quando migrou para o setor que seria responsável por uma revolução mundial, a internet. Como diretor regional do MLab Internet Co. colaborou com a difusão da rede de computadores no País elaborando sites. Quando a calmaria chegou enfrentou o desafio de entrar numa das maiores rede hoteleiras do mundo e com a liderança no Brasil. Chegou à Accor com a função de ordenar um programa de fidelização capaz de aplacar a crise de superoferta prendendo o cliente pelo relacionamento e pela oferta qualitativa.

"À época a rede tinha 65 hotéis e havia outros 65 em desenvolvimento. Sabíamos que a crise de superoferta ia afetar profundamente os resultados dos hotéis de toda a indústria em todo o Brasil", rememora. Afeito às dificuldades ou, como gosta de chamar, às situações que exigem posturas ofensivas, o executivo ficou na divisão brasileira da empresa francesa até 2006, quando assinou sua transferência para a sede mundial em Paris. Como saldo, deixou o cronograma de ampliação ainda mais ambicioso e um programa de fidelização que o credenciou a desenvolver o LeClub – clube mundial de vantagens para hóspedes Accor implementado em nível global. "Esse trabalho se transformou no maior projeto da história da empresa no mundo, envolvendo o treinamento de mais de 30 mil colaboradores, a integração de 45 sistemas de tecnologia, migração de nove programas de fidelidade no mundo inteiro, nove línguas diferentes em mais de cem países", pontua. 

No apagar das luzes de 2009 outra guinada. De saída da Accor, ele interropeu sua rotina de trabalhos e decidiu dedicar-se aos estudos. A nova empreitada foi um mestrado em Ciências Sociais, na Sciences Po, ainda na França. Dois anos depois retomou a trajetória como diretor mundial de Marketing, Vendas e Operações da World Hotels, quer congrega hotéis independentes pelo mundo. Nessa época a nova casa era em Frankfourt, Alemanha, e as experiências completamente diferentes do que já havia vivido. "Minha trajetória na carreira de hotelaria se divide em independente e rede, sempre em momentos de transformação, em mercados em crise", resume.

De volta ao Brasil, Salvador assume o posto de diretor de Distribuição da Intercity – rede que deve dobrar de tamanho e alcance nos próximos anos – e fala Hôtelier News sobre os pormenores de sua trajetória além de detalhar o seu projeto atual e pensamentos conceituais sobre o cenário hoteleiro brasileiro e mundial.

* Por Filip Calixto


As experiências do executivo reforçam sua filosofia de
optar sempre pelos desafios mais complexos

Hôtelier News: Depois de seu ingresso na hotelaria passou tanto pela realidade de independentes como por uma grande rede, como avalia essa mescla de experiências e pontua as diferenças?
Paulo Salvador: Minha carreira dentro da hotelaria se divide claramente entre a experiência nesses dois mundos: o universo das redes, como a Accor, e o universo da hotelaria independente, onde estive por quatro anos. Nesses períodos pude conviver com os dois mundos e posso dizer que são realidades totalmente distintas entre si. Porque a hotelaria de rede é uma hotelaria que trabalha dentro de uma ótica de escala e uma ótica indústrial em que as experiências do cliente estão standartizadas.

Costumo comparar hotelaria de rede à fast-food, que você encontra em todas as lojas que for o mesmo serviço, a mesma experiência. E a hotelaria independennte trabalha justamente no outro oposto que é a diferenciação através das experiências únicas. Quando você se hospeda dentro da hotelaria independente, provavelmente não irá encontrar essa mesma vivência em outro lugar que não seja ali. Na rede provavelmente vai encontrar sempre aquele mesmo padrão em qualquer lugar do mundo. É a mesma atmosfera, o mesmo cheiro, a mesma cama, etc. São dois mundos completamente diferentes, que operam em plataformas bem diferentes, e existem clientes para os dois. 

HN: Dentro dessa ótica, para onde o mercado hoteleiro está evoluindo? Qual é o futuro desse negócio?
Salvador: Não sou eu quem digo e sim os números, mas a gente percebe, claramente, que ainda vão existir clientes com a necessidade de se hospedar em produtos que ofereçam experiências ubíquoas, uniformes. Mas a geração que está chegando hoje no mercado de trabalho, os millenials, buscam, cada vez mais, na medida em que eles começam a ganhar dinheiro e ter poder de escolha, o lado da autenticidade e da unicidade da hotelaria independente. 

Se olhar, por exemplo, o TripAdvisor nas cinco principais cidades do mundo irá perceber que metade dos hotéis do ranking de melhores são independentes. Isso é um sinal claro que o mundo está caminhando muito mais para a lógica dos independentes do que para a lógica das redes. E o desafio das rede é transformar essa capacidade de produzir hotelaria em escala industrial em produtos que ofereçam experiências únicas. Por outro lado, o desafio do independente é exatamente preservar essa essência de servir de maneira única mas se apoiar em sistemas que são o padronizadas, principalmente na área comercial. Um hotel sozinho, isolado no mundo, oferecendo experiência única, não é suficiente para conseguir rentabilidade e aí a gente entra no segundo componente de tendência nesse mercado, que não é só fazer um produto bom e diferente mas também poder ter competências de colocar cabeças nas camas. Competência de poder oferecer aquele hotel, pelo melhor preço, no momento certo, para o cliente certo.

Hoje em dia, a diferença entre uma operação medíocre e uma boa está entre você diferenciar o produto hoteleiro com experiências únicas e diferentes e, em segundo lugar, desenvolver competências ligadas à distribuição, gestão estratégica do inventário.

HN: Quem tem mais facilidade na hora de solucionar esse dilema?
Salvador: Acho que é mais fácil o independente se adequar a uma competência do que uma hotelaria de rede se adequar a ser diferente.

HN: Após anos de vivência no exterior e uma carreira internacional consolidada e com a decisão de voltar ao Brasil, como foi que surgiu a oportunidade de atuar na Intercity?
Salvador: Nada foi muito programado. Na verdade eu conhecia o Alexandre Gehlen, diretor geral da InterCity, há mais de 15 anos, porque trabalhamos juntos no Fohb (Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil), entidade que ajudamos a criar e desenvolver. E o Alexandre sempre foi uma pessoa que atuou muito fortemente na construção dessa organização. Sempre acreditou no poder associativo. Sempre nos respeitamos muito através desse elemento comum. Quando voltei ao Brasil e comecei a investigar o mercado e buscar empresas que estivessem fazendo a diferença, todos os nomes de nossos amigos em comum levavam a esse caminho. Então comecei a trabalhar como conselheiro, em aspectos do crescimento da empresa, e, na medida em que houve a saída da Fanny Cutrale, o Alexandre me convidou pra assumir a área Comercial e desenvolver o processo de transformação na área de vendas e distribuição e é isso que estamos fazendo hoje. 

HN: Tocando um grande projeto de expansão, a Intercity vive dias de reposicionamento. Isso colaborou para a sua decisão de aceitar esse desafio?
Salvador: Vários fatores me levaram a aceitar essa proposta. O compromisso que a empresa tem com o futuro e o crescimento de seu pipeline são alguns. Outro aspecto foi o conjunto de valores que a organização tem. Valores de transparência, de ética, de liberdade e criatividade. Tudo isso está inserido nas relações com investidores e colaboradores. Uma empresa que dobra de tamanho é uma empresa que precisa de profissionais que ajudem a refletir sobre onde ela está e onde quer chegar. É uma corporação que vive outro momento e que necessita de um novo perfil de executivos que contribuam para o projeto crescimento num segundo nível. 

HN: Formação socialógica e vivência europeia contribuiram para o seu sistema de pensamento e para ser essa pessoa que reflete sobre a empresa?
Salvador: Acho que a sociologia me ajudou muito a compreender o modo de funcionamento informal das empresas. Porque quando somos sociólogos a primeira coisa a aprender é o exercício da observação. Um bom sociólogo é aquele que observa as pessoas, ou os atores, como chamamos na sociologia. E os executivos das empresas de hoje em dia estão tão presos às regras, aos processos, que são impostos pelo próprio sistema, que esquecem de observar as pessoas, prestando atenção apenas em métodos, indicadores. O que aprendi com a sociologia para empresas foi que devemos buscar equilíbrio entre essa observação. Entre o cumprimento dos indicadores, que são essenciais em toda empresa, mas também observar como as pessoas se movimentam dentro das companhias, ver como as organizações se articulam entre si. Observando isso você consegue perceber alguns nós nas relações que muitas vezes são prejudiciais a fazer os projetos andarem.

A sociologia me ajudou a criar um modo mais humano na gestão desses sistemas. Fazer com que eu entendesse que as pessoas e não os processos fazem as diferenças para o sucesso. Antes de ter métodos muito amarrados é preciso ter pessoas engajadas. E o engajamento, pelo que notei na minha experiência, precisa vir antes. É isso que faz as pequenas empresas se tornarem grandes.

Quando você faz um trabalho numa empresa pequena, onde não existem protocolos, tudo é muito improvisado, a única coisa que faz as coisas acontecerem é o comprometimento. É você, junto, poder assumir riscos maiores pra fazer as coisas acontecerem. É você ser multidisciplinar, é não se limitar por departamentos, por limites de atuação. Esse nível de engajamento característico das pequenas empresas se perde à medida que elas se tornam grandes e muito amarradas pelos processos. Agora minha visão é diferente. É a seguinte: os processos precisam ser respeitados, mas as pessoas, que estão ali, fazendo as coisas acontecerem, tem que ser, antes de tudo, componentes chave e não atores secundários. Esse período me ajudou a ser um novo líder.


"O período estudando sociologia e vivendo na Europa me ajudaram muito. Sou um novo líder"

HN: O movimento de crescimento da rede passa pala chegada da marca yoo2. Esse será o fator propulsor do desenvolvimento?
Salvador: Na verdade a Intercity está se transfromando numa administradora, uma holding, que terá três marcas. A bandeira core – que é o coração da rede – é a marca Intercity. Esses são hotéis quatro estrelas, verticais, urbanos, localizados em grandes centros ou em gateways – regiões por onde passam a produção e a economia -, com 150 apartamentos em média. Hoje os 31 administrados são assim.

Depois a Intercity vai lançar dois novos produtos, a partir do ano que vem. O primeiro é o que chamamos de midscale luxo, como é o yoo2 [cuja primeira unidade será no Rio, em Botafogo, para as Olimpíadas]. Esse produto vai ser a maior revolução na oferta hoteleira no Brasil nos últimos anos. Porque será a primeira vez que o País vai receber um produto quatro estrelas cujo componente do design é o elemento chave na experiência do cliente. Até agora todos os hotéis design brasileiros, foram hotéis que representaram marcos mas que atendiam a clientela que estavam dispostos a pagar muito caro por isso. O yoo2 vem justamente com a proposta da experiência pelo design mas é que a gente chama de luxo abordável, acessível. Com a expertise da escola de design do Philip Stark, que é o sócio dessa empresa criadora da marca e é embasada no design utilizando conceito de materiais leves, linhas arredondadas. Além do Rio existem outros projetos para o yoo2, que estão sendo estudados.

Depois tem uma outra marca chamada Hi!, que é a bandeira que carrega o mesmo conceito de design do yoo mas para a hotelaria econômica. É um nicho que concorre com a marca ibis.

HN: Esse movimento do estilo está ligado ao seu discurso de proporcionar experiências autênticas?
Salvador: A ideia é exatamente essa. O conceito do yoo2 reúne a expertise, a linguagem dos designers, com a utilização de materiais totalmente locais. Toda a inspiração do hotel do Rio, por exemplo, é embasado em materiais típicos da cidade e a linguagem da região. Tudo será usado na tematização. O que será diferente quando lançarmos em outro lugar do Brasil. Esse hotel vai buscar a linguagem local, mas sempre unindo à característica do design.

HN: Qual a perspectiva da diretoria da rede em relação ao mercado brasileiro e posicionamento almejado?
Salvador: A Intercity quer se transformar na maior rede de hotéis brasileira. No mundo inteiro, em mercados mais maduros, ocorre um processo parecido. Quando você tem, claramente, as empresas que são líderes globais e as empresas que são líderes locais. A Intercity já é uma empresa que faz parte do conjunto de líderes locais e a missão é fazer dela a maior empresa de hotéis do Brasil. 

HN: Quais são os próximos passos em relação a essa meta?
Salvador: Continuar trabalhando no fortalecimento da relação com investidores, pois não existe nenhuma rede que não cresça a partir do apoio e do impulso de investidores. A hotelaria brasileira, principalmente, é muito baseada em adminsitração de condotéis e a relação transparente e saudável com esses investidores é um dos pilares da Intercity. Nós temos uma relação muito transparente com eles no provimento de informações.

O segundo ponto é a questão do fortalecimento da cultura interna, que é uma cultura de empreendedores, em que cada gerente geral tem autonomia e sua própria missão de ser um empreendedor com seu hotel. O terceiro aspecto é ter plataformas de alta performance. Isso significa, no lado operacional, que precisamos garantir que a marca tenha coerência para os clientes, com o espírito da companhia em todas as unidades. Isso é conseguido através de pesquisa de qualidade e manuais de uniformidade. Alta perfomance no meu caso é distribuição é fazer com que continuemos sendo sempre líderes nos mercados onde atuamos. Estamos sempre presentes, em primeiro, segundo ou terceiro lugar na cesta competitiva dos lugares onde estamos.

Investidores, cultura e alta perfomance – operacional e de vendas -, isso dá o respaldo e a credibilidade pra ambicionarmos o que queremos. 


Salvador vive entre Frankfurt e São Paulo, conciliando seu
trabalho de professor com o projeto Intercity

HN: Sobre o momento de instabilidade financeira e política que o País vive hoje. Isso afeta os planos da rede? E, mais, isso é motivação?
Salvador: Certamente o contexto afeta. A Indústria toda está fazendo ajustes e nós também. Estamos recalibrando oportunidades, enxergando os custos de maneira absolutamente obcessiva, tentando preservar o patrimônio desses investidores.

Mas, o problema do Brasil é de curto prazo. É um país que vive sempre os paradoxos. Somos um país que tem fundamentos que nos fazem acreditar que no longo prazo teremos totais condições de ser uma potência econômica, dentro do cenário mundial, porque temos condições: instituições fortes, imprensa forte, apego pela democracia, classe média emergente que produz a cada ciclo de prosperidade econômica uma nova Bélgica. A mobilidade social do Brasil produz dez milhões de consumidores. Ninguém nessa crise toda fala em retrocesso democrático.

Temos um mercado interno que se alimenta do próprio mercado. E temos uma infraestrutura, uma capacidade instalada, que voltando para o mundo da hotelaria, temos aeroportos, hotéis, capacidade para atender principalmente o turismo de negócios que dá as condições para a chegada do novo ciclo. O nosso problema é o curto prazo e agora que estamos fazendo esses ajustes, quando o novo ciclo vier, e virá, os hotéis e profissionais estarão mais do que nunca preparados para receber uma totalmente nova demanda. Tem tudo pra dar certo no longo prazo e tudo pra dar errado no curto prazo.

HN: Acredita então que esse cenário auxilia no fortelecimento do mercado, pensando num prazo mais largo?
Salvador: Acredito nisso. Foi assim que surgiu o Fohb, por exemplo. Isso aconteceu a partir de uma ideia, de uma necessidade de construir competências comuns a todos e criar um sistema de base, de informações, que pudesse nos orientar nas tomadas de decisões. Informações sobre desempenho de mercado, sobre oferta e demanda. Nesses momentos a indústria não só olha para si, em como se reajustar, como também olha para seus clusters, para refletir juntos, soluções integradas. 

HN: Nesse cenário de novos hotéis a mão de obra aparece como problema frequente. principalmente no nível de quem lida diretamente com o cliente. Como vê essa questão?
Salvador: É um desafio de todo o segmento de serviços. A hotelaria é um setor empregador intensivo de mão de obra e, mais que isso, é agente de transformação, de inserção social. Quando falamos da mobilidade social, falamos não das pessoas de classe média que passam um degrau acima mas sim daquelas desfavorecidas que passam a ter acesso ao mercado de consumo viável de bens duráveis e é o emprego que gera isso. Onde essas pessoas vão buscar oportunidades? Principalmente na industria de serviços. Ouvi em algum lugar que um emprego gerado na indústria de turismo cria seis outros empregos. E um nos produtos de consumos duráveis geram dois. Na medida em que você é um empregador intensivo e absorve essa mão de obra do nível um, você está contribuindo para a geração de uma nova classe, ligada à questão da mobilidade social, mas há desafios de treinar essas pessoas. Relacione isso ao fato de receber essas pessoas de um sistema de educação falido. Então você necessita de mão de obra pra poder operar. Aí a responsabilidade do hoteleiro cresce, pois tem que capacitar, formar, educar e reter. Porque se não cria esse sistema de retenção, você ensina essa pessoas e gera um turn-over de mercado e coloca a perder esse investimento.

HN: Em tanto tempo de mercado, quais foram os maiores problemas que enfrentou?
Salvador: É interessante ressaltar que depois de ter viajado por tantos países, interagido com tantos hotéis, independentes ou de rede, eu chego a conclusão de que os problemas que vivemos no Brasil são semelhantes aos que a indústria sofre no mundo todo. E qual é o principal? Acho que é entender que a hotelaria é um setor extremamente fragmentado. E por que isso é um problema? Porque essa fragmentação gera a dificuldade de criar sistemas uniformes. De ter, tal qual acontece nas companhias aéreas, um gerenciamento eficiente nos seus sistemas de reporting, custos, informação. A hotelaria sofre com isso por faltar sistemas uniformes.

Um problema comum a todos os hoteleiros, os PMS's (property management systems – sistemas de gestão de propriedade), se mostram um poço de dificuldade de conciliar informação e desenvolver sistemas de fidelidade nos quais os clientes consigam o mesmo reconhecimento em qualquer hotel que ele vá. Os clientes perguntam: por que tenho que dar meu nome toda vez que chego num hotel? Inserir meu cartão todas as vezes? Porque somente na hotelaria esse PMS's são mais de mil pelo mundo. No mercado aéreo esse número é muito inferior. De maneira geral, enquanto a hotelaria é altamente dispersa e tem sistemas de informação e gestão que se esparramam, as companhias aéreas trabalham seu back em cima de três ferramentas uniformes. Essa é uma dificuldade enorme porque você não consegue conciliar corretamente as informações, não consegue até ter indicadores que sejam confiáveis. Quanto mais fragmentado mais dificuldade de falar sobre nossos problemas com voz única.

Mas vejo um segundo problema que é como nós, desde que estou nesse mercado, vivemos revoluções constantes e como nos adaptamos a elas. A primeira época de mudanças que vivi nesse mercado foi a saída dos sistemas de reservas diretos – telefones, fax e telex – para os GDs's e call centers. Depois disso para os intermediários digitais. Precisávamos entender como a internet poderia funcionar para a eficácia da nossa venda. Depois chegou a revolução da explosão desse intermediários. Era não ter mais somente as agências e ter também outros atores ao lado delas fornecendo tráfego. Novas pessoas, novos clientes. Em apenas 15 anos saímos de um processo totalmente fácil de identificar quem é o cliente que você vai atender, até chegar hoje num ecossistema muito complexo. O comprador passa por mais de 30 sites antes de definir a transação. Depois vivemos a revolução das redes sociais e, pra mim, o grande divisor de águas no mundo se chama TripAdvisor. Isso serviu para que o consumidor tivesse o poder de construir ou destruir a reputação de um hotel. É mais que uma ferramenta de rede social é um porta voz do consumidor que tem poder de te destruir.

O último acontecimento foi a revolução mobile, que já é realidade, é nosso segundo cérebro. Agora estamos no que chamamos de digitalização das redes hoteleiras. Os hotéis passaram a se auto-intitular empresas de digital hospitality. E quem está dizendo não sou eu e sim Sebastian Bazin, presidente da Accor, que recentemente reuniu sua equipe e anunciou um plano de transformação da empresa com altos investimentos. O que é esse sinal que eles estão dando para o mercado? Que não se faz mais hotelaria somente dentro do hotel. Hotelaria se faz no momento em que o cliente comaça a planejar sua viagem. Hotelaria digital, que é o que vamos escutar cada vez mais, é a capacidade que somente nós temos de transformar a experiência comum numa experiência que começa antes da hospedagem e conseguir ligar isso com o único ativo que niguém nos consegue nos roubar, que é o hotel.

As pessoas podem nos roubar hóspedes, canais de distribuição, mas ninguém pode roubar o hotel. Nós temos a possibilidade de juntar o digital com o real e transformar isso numa experiência. Então as empresas hoteleiras estão se reinventando de A a Z para poder dominar a experiência digital do cliente e integrá-la com a experiência física. Todo mundo está fazendo isso hoje, silenciosamente. Quando as redes deixam você fazer o check-in pelo celular, trocar de quarto e tudo mais é o sinal que existe essa integração entre os dois mundos e a batalha será ganha aí, quando você puder integrar de maneira imperceptível esses dois mundos. 

HN: Com passagens por tantos lugares, consegue apontar qual o local mais complicado e simples para trabalhar?
Salvador: Na verdade uma das coisas que aprendi é a importância de não negligenciar cultura, a cultura pela qual você está interagindo. Acho que a dificuldade inicial que tive na França foi por não entender que meus valores culturais não eram os dominantes e que deveria me adaptar ao cenário e não ele a mim. Quando cheguei na Alemanha estava mais experiente e pude perceber que precisava dar um tempo nos meus paradigmas e as pessoas nos delas pra podermos encontrar um lugar comum na interação. A difculdade foi pela falta de experiência e a facilidade foi pela mesma razão. É a diferença entre ter um profissional que fala línguas, um que viaja ao estrangeiro e um que conhece culturas. São coisas completamente diferentes. 

HN: O que te deixa contente em voltar oa Brasil?
Salvador: É ter a recepção que tive, com muito carinho e a certeza que deixei muitos amigos aqui. 

Serviço
intercityhoteis.com.br